O preço da imprudência (seguido de comentário nosso)

By | 31/07/2023 2:50 pm

Inadimplência de programa da Caixa para negativados, criado no período pré-eleitoral, bate em 80%

 

(Opinião do Estadão, em 31/07/2023)
Imagem ex-libris
Impressiona a escalada da inadimplência na concessão de microcrédito pela Caixa. Até meados do ano passado, a taxa rodava a uma média anual inferior a 4%. Cerca de seis meses antes da eleição presidencial, sob a gestão de Pedro Guimarães, o banco lançou o programa de facilitação de empréstimos a pessoas físicas e microempreendedores individuais (MEIs) mesmo que sob avaliação negativa dos órgãos de controle de crédito. A partir de então, a taxa de inadimplência da Caixa disparou até ultrapassar 21% em maio deste ano.

Somente no programa que incluiu a “inovação” do crédito a negativados, custeado em parte por recursos arrecadados pelo FGTS, o índice de calote em 12 meses gira em torno de inacreditáveis 80%. Apesar dos valores limitados dos empréstimos – no máximo R$ 4,5 mil por operação –, a adoção do programa, batizado de SIM Digital, desconsiderou regras básicas de prudência bancária.

Sob o falso propósito de estimular o empreendedorismo, fez parte do processo de distribuição de recursos com fins claramente eleitorais. E que, de forma mais do que previsível, elevou a inadimplência da Caixa no segmento de microcrédito a um patamar recorde. É um exemplo que vale analisar num momento em que outro programa governamental tem como um dos principais objetivos “limpar” CPFs incluídos no cadastro de negativados por dívidas irrisórias.

Há muitas diferenças entre as duas iniciativas, a começar pelo próprio timing. O SIM Digital ocorreu no fim do governo Bolsonaro, às vésperas de uma eleição polarizada e na qual o próprio presidente da Caixa tinha sérias pretensões – eliminadas depois de seu afastamento do cargo e do governo em meio ao escândalo das acusações de assédio sexual. O Desenrola Brasil, iniciado neste mês, ocorre em início de gestão, como parte do cumprimento de promessas de campanha.

Na semana passada, quando entrou em vigor o programa de renegociação de dívidas lançado pelo governo Lula, os bancos anunciaram que 1,261 milhão de clientes que estavam com o nome “sujo” por dívidas ativas de até R$ 100 haviam sido retirados do cadastro de inadimplentes. A dívida permanece, é renegociada e terá de ser paga, mas eles passam a estar, de imediato, aptos a novos créditos.

Não deixa de ser chocante que tanta gente receba o selo de mau pagador por dívidas bancárias em valores insignificantes, o que torna ainda mais patente a necessidade de uma educação financeira desse público. É óbvio que o crescimento do endividamento não está circunscrito a isso, mas é uma base que precisa ser reforçada. Não adianta apenas liberar mais empréstimos, muito menos de forma tão desprovida de critérios, como foi a que idealizou o SIM Digital.

Cabe ao governo e às instituições financeiras que aderiram ao novo programa orientar os tomadores de empréstimos. O cumprimento dos compromissos resguarda os agentes, robustece os clientes à medida que eleva seu grau de avaliação no sistema financeiro e faz girar a economia, dentro de um nível de risco plausível. A reabilitação ao crédito é bem-vinda – desde que sem irresponsabilidade eleitoreira.

Comentário nosso

Há cinquenta e cinco anos, trabalhando no Cadastro do Banco do Brasil em Piancó, sedimentou-se aquilo que eu aprendera já na adolescência com meu pai. “A única coisa que o pobre tem é o crédito. Se ele perder o crédito ele vai morrer de fome, porque ninguém vai lhe querer vender fiado”, me dizia ele. Em Piancó aprendi que os melhores pagadores eram os pequenos produtores rurais, os mais pobres entre os clientes do banco. Os ricos, com raras exceções,  davam trabalho para pagar seus empréstimos e viviam procurando renegociar os débitos. Alguns anos atrás, vi confirmado isso, quando chefiei a Carteira Agrícola no Banco do Brasil de Teixeira. Os ricos davam graças a Deus, quando o ano era ruim de inverno, porque o Governo concedia o perdão dos empréstimos, que os pobres haviam pago, mesmo com sacrifício. Na década de setenta, quando trabalhei, pela segunda vez, na agência de Patos, fui para a Carteira Comercial. Os clientes que pagavam com mais assiduidade, na maioria eram, os mais pobres que pagavam em dia seus pequenos “papagaios”, como eram chamados os empréstimos. Este zelo pelo crédito sempre foi uma marca dos pequenos devedores dos bancos. Só as grandes dificuldades os impediam de pagar em dia os seus compromissos. Ao quebrar este padrão, permitindo que mesmo quem não estava pagando suas contas, contratasse mais compromissos, Bolsonaro não só estimulou os velhacos, como permitiu que se endividassem ainda mais aqueles que já estavam em dificuldades financeiras, porque simplesmente não conseguiam, mesmo querendo, pagar os seus compromissos. Com isso, talvez o ex-presidente tenha ganho milhões de votos, na tentativa de reeleição, que era o que ele realmente queria, mas colocou em dificuldades, não só quem já estava “meio enforcado”, como os próprios estabelecimentos bancários, principalmente, os pertencentes à nação.  Além de deseducar, financeiramente, grande parte da população. Isso poderá gerar sérios prejuízos para o Banco do Brasil, para a Caixa, para o Banco do Nordeste e outras instituições financeiras oficiais e no fim quem paga a conta é o povo brasileiro de um modo geral.  O programa Desenrola do Governo Lula pode estar desafogando muita gente por permitir que assuma novas dívidas, mas está prestando, como previne o Estadão, um péssimo serviço, na deseducação financeira do povo brasileiro. Os empresários aplaudem por que os que tiverem “seus nomes limpos” vão fazer novas compras e lhes dar novos lucros, mas alguém vai ter que pagar a conta, pois empresário não perdoa a ninguém e estas compras serão financiadas com garantias do governo. Como sempre disse a sabedoria popular, “é muito bom atirar com a pólvora alheia”. (LGLM)

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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