O fim de uma vergonha: a “dita” legítima defesa da honra

By | 03/08/2023 8:31 am

STF corrige erro histórico ao declarar inconstitucional a tese da legítima defesa da honra

 

Imagem ex-librisO Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou em caráter definitivo a deplorável tese jurídica da legítima defesa da honra. Argumento medieval e expressão bem acabada do patriarcalismo da sociedade brasileira, o conceito serviu como escudo para a desenfreada violência de homens contra mulheres ao induzir a absolvição dos agressores. A decisão unânime dos ministros da Corte, respaldada pela avaliação clara e veemente de inconstitucionalidade da tese, desfaz um dos mais aviltantes erros históricos do ordenamento jurídico do País.

Entretanto, por mais meritória que essa correção seja, torna-se inevitável questionar a razão de sua demora que, ao longo de cinco séculos, resultou na impunidade de crimes contra mulheres. Causa estranheza o Supremo ter demorado dois anos para julgar o mérito de sua própria decisão liminar de banir o uso de tal argumento na fase investigativa e no processo penal de agressões e assassinatos de mulheres. Em especial, porque não há senões na Constituição de 1988, que considera homens e mulheres iguais em direitos e obrigações e lhes confere direito à dignidade, à vida e à igualdade de gênero. Tais preceitos basilares respaldam o relatório do ministro Dias Toffoli, reiterado por seus nove colegas, sobre a inconstitucionalidade da tese.

Essa demora de dois anos certamente não é a mais grave, dado o fato de a liminar de 2021 ter, por si só, anulado o efeito da tese da legítima defesa da honra em julgamentos de feminicídios e agressões. Maior surpresa e indignação surge quando se constata a ausência de provocação externa à Corte máxima entre 1988 e 2021, seja por partidos políticos ou pela sociedade civil organizada, enquanto esse argumento continuava a ser apregoado pela defesa de agressores e assassinos em tribunais do júri – não raro, com força para absolver ou reduzir a pena de criminosos.

Houve clara negligência da sociedade brasileira desde, pelo menos, 1988. Terá se acentuado depois de 2006, quando a Lei Maria da Penha corretamente – igualmente com atraso – criminalizou a violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher e deu as diretrizes para o Estado brasileiro atuar na prevenção e na punição de agressores. Por fim, há de se considerar o fato de que o Código Penal não ampara a tese abjeta, nem mesmo subjetivamente, desde 1940. A iniciativa do PDT de provocar o STF a colocar um entendimento final sobre essa questão, portanto, merece ser louvada.

Como presidente e ministra do STF, a jurista Rosa Weber deu inestimável contribuição ao Brasil ao pautar e conduzir o julgamento do mérito de uma tese autoritária e motivadora da misoginia, do machismo e da discriminação. A decisão do último dia 1.º de agosto corrige o mal histórico provocado pela tradição da honorabilidade e pela abominável concepção de que o corpo e a vida da mulher, como se fosse um ser subalterno, pertencem ao homem. Se tais preceitos continuam a se reproduzir nesta sociedade ainda refém de seus ranços patriarcais, de agora em diante não terão mais eco na Justiça.

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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