STF corrige erro histórico ao declarar inconstitucional a tese da legítima defesa da honra
Entretanto, por mais meritória que essa correção seja, torna-se inevitável questionar a razão de sua demora que, ao longo de cinco séculos, resultou na impunidade de crimes contra mulheres. Causa estranheza o Supremo ter demorado dois anos para julgar o mérito de sua própria decisão liminar de banir o uso de tal argumento na fase investigativa e no processo penal de agressões e assassinatos de mulheres. Em especial, porque não há senões na Constituição de 1988, que considera homens e mulheres iguais em direitos e obrigações e lhes confere direito à dignidade, à vida e à igualdade de gênero. Tais preceitos basilares respaldam o relatório do ministro Dias Toffoli, reiterado por seus nove colegas, sobre a inconstitucionalidade da tese.
Essa demora de dois anos certamente não é a mais grave, dado o fato de a liminar de 2021 ter, por si só, anulado o efeito da tese da legítima defesa da honra em julgamentos de feminicídios e agressões. Maior surpresa e indignação surge quando se constata a ausência de provocação externa à Corte máxima entre 1988 e 2021, seja por partidos políticos ou pela sociedade civil organizada, enquanto esse argumento continuava a ser apregoado pela defesa de agressores e assassinos em tribunais do júri – não raro, com força para absolver ou reduzir a pena de criminosos.
Houve clara negligência da sociedade brasileira desde, pelo menos, 1988. Terá se acentuado depois de 2006, quando a Lei Maria da Penha corretamente – igualmente com atraso – criminalizou a violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher e deu as diretrizes para o Estado brasileiro atuar na prevenção e na punição de agressores. Por fim, há de se considerar o fato de que o Código Penal não ampara a tese abjeta, nem mesmo subjetivamente, desde 1940. A iniciativa do PDT de provocar o STF a colocar um entendimento final sobre essa questão, portanto, merece ser louvada.
Como presidente e ministra do STF, a jurista Rosa Weber deu inestimável contribuição ao Brasil ao pautar e conduzir o julgamento do mérito de uma tese autoritária e motivadora da misoginia, do machismo e da discriminação. A decisão do último dia 1.º de agosto corrige o mal histórico provocado pela tradição da honorabilidade e pela abominável concepção de que o corpo e a vida da mulher, como se fosse um ser subalterno, pertencem ao homem. Se tais preceitos continuam a se reproduzir nesta sociedade ainda refém de seus ranços patriarcais, de agora em diante não terão mais eco na Justiça.