Contra Bolsonaro, nada além da lei (seguido de comentário nosso)

By | 25/08/2023 6:56 pm

Diante do modo como a Justiça tem aplicado a prisão preventiva, no espírito do lavajatismo, não seria surpresa uma eventual detenção. Mas a lei não autoriza antecipação de pena

 

Desde a semana passada, quando vieram à tona mais indícios de eventual participação de Jair Bolsonaro em crimes – alguns deles, com penas altas –, intensificou-se, em diversos setores da sociedade, uma espécie de “torcida” pela prisão do ex-presidente. Diante dessa expectativa, cabe relembrar alguns pontos sobre a prisão no Estado Democrático de Direito.

Para muitos, a prisão de Jair Bolsonaro seria uma simples questão de justiça: se o ex-presidente cometeu crimes, ele tem de sofrer as devidas consequências legais. O raciocínio é claro: não cabe impunidade a quem usa um cargo público – no caso, o mais alto posto do Executivo federal – para delinquir.

Certamente, um ato criminoso deve ser punido. Mas a apuração desse ato exige um processo judicial, dentro de um amplo espaço de contraditório e com efetivo direito de defesa. A punição deve vir no final da ação penal, e não no seu início. Até agora, nem mesmo uma denúncia formal foi apresentada contra Jair Bolsonaro no caso das vendas das joias ou no dos ataques contra a democracia.

Neste momento, portanto, uma eventual prisão de Jair Bolsonaro seria necessariamente uma medida preventiva, que não é antecipação de pena nem pode ser usada como tal. Diz a lei: “Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia” (art. 313, § 2.º, Código de Processo Penal, CPP). Ou seja, nas atuais circunstâncias, não é válido o raciocínio de que, por ter cometido crimes, o ex-presidente deveria ser preso agora. A prisão como pena exige decisão transitada em julgado e não há sequer processo criminal contra o ex-presidente.

A respeito da prisão preventiva, a legislação brasileira tem requisitos bem definidos. A medida cautelar poderá ser decretada “como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado” (art. 312, CPP).

A redação atual desses dois dispositivos do CPP foi fruto da Lei 13.964/2019, o chamado Pacote Anticrime. Essas mudanças integram o esforço do Congresso em melhorar a efetividade do princípio da presunção de inocência, bem como das liberdades fundamentais de todos os cidadãos. Por isso, a Lei 13.964/2019 estabeleceu que “a decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada” (art. 315, CPP).

Infelizmente, muitos juízes e tribunais ainda trabalham com uma compreensão excessivamente ampla a respeito de seus poderes para decretar a prisão preventiva, compreensão esta que, contrariando a legislação vigente, viola a liberdade de muitos cidadãos. Não há dúvida, por exemplo, que, fosse aplicado o entendimento da Lava Jato sobre a prisão preventiva, Jair Bolsonaro já estaria preso preventivamente.

O caminho, no entanto, não é errar de novo, numa espécie de vingança. Tal atitude apenas geraria novos problemas, e o papel do Judiciário é aplicar a lei de modo a solucionar – e não aumentar – os conflitos sociais. Em vez de aplicar antigas e ilegais concepções sobre a prisão preventiva, as atuais circunstâncias envolvendo Jair Bolsonaro devem conduzir a um amadurecimento de toda a Justiça sobre o tema, em conformidade com o que dispõe a lei.

Nesse sentido, um ponto de melhoria do Judiciário perfeitamente acessível é a aplicação prioritária das medidas cautelares diversas da prisão. “A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar” (art. 282, § 6.º, CPP). Hoje, muitas prisões preventivas são ilegais, tendo em vista que poderiam ser substituídas por outra medida cautelar, como a proibição de ausentar-se da comarca ou a monitoração eletrônica.

A melhor defesa da democracia e da sociedade é a aplicação da lei. Sem exceções para favorecer ou para perseguir.

Comentário nosso

Se Bolsonaro comprovadamente cometeu crimes, merece e deve ser preso. Mas que isso aconteça dentro do devido processo legal. A maior garantia da liberdade do cidadão é que ele só seja preso dentro do devido processo legal, a não ser que solto ele represente uma ameaça à sociedade. Um suspeito que esteja ameaçando testemunhas, tentando destruir provas, dificultando o trabalho da Justiça, (inclusive a apuração dos fatos de que é acusado), se preparando para fugir, este deve ser impedido de se evadir, mesmo que tenha de apelar para sua prisão. Um caso clássico de prisão justificável é a de autoridades (prefeito e governador, por exemplo) que possam pressionar testemunhas ou destruir provas o que ten frequentemente se transformado em afastamentos de cargo que às vezes se tornam definitivos. (LGLM)

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Category: Destaques

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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