Apesar da demora, Corte acerta ao reconhecer a competência do Congresso para legislar sobre o juiz de garantias
Em dezembro de 2019, o Congresso aprovou uma mudança na legislação processual penal, fixando que o magistrado responsável pela investigação, o chamado juiz de garantias, não deve ser o mesmo que julga a causa. A alteração reafirmava o princípio constitucional da imparcialidade do juiz e estava em linha com a legislação de outros países. Ou seja, não havia nenhuma sombra de inconstitucionalidade sobre a figura do juiz de garantias. O que havia era tão somente a necessidade de um prazo razoável para a implementação do novo modelo pelos tribunais.
Em janeiro de 2020, o então presidente do STF, ministro Dias Toffoli, mantendo a decisão do Congresso sobre o juiz de garantias, estendeu para 180 dias o prazo de sua implementação. No entanto, uma semana depois, o ministro Luiz Fux proferiu decisão liminar suspendendo por tempo indeterminado a alteração feita pelo Congresso. Segundo Fux, a regra feria a autonomia organizacional do Judiciário e impunha custos excessivos aos tribunais.
Agora, mais de três anos e meio depois, o plenário do STF julgou o caso. Com exceção de Luiz Fux, todos os ministros votaram pela constitucionalidade da figura do juiz de garantias. Segundo o colegiado, trata-se de uma opção legítima do Congresso visando a assegurar a imparcialidade no sistema de persecução penal. A Corte também entendeu que não houve violação do poder de auto-organização dos tribunais, uma vez que a União tem competência para propor leis sobre o processo penal.
É parte fundamental do Estado Democrático de Direito o controle de constitucionalidade das leis exercido pelo Judiciário. Com isso, assegura-se a prevalência da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico. No entanto, fere radicalmente o Estado Democrático de Direito o uso desse poder de controle da constitucionalidade pelo Judiciário para fazer escolhas políticas. Juiz não é parlamentar.
Em seu voto, o ministro Luiz Fux disse que a criação do juiz de garantias feria o princípio da proporcionalidade. Segundo ele, não existe motivo para presumir a parcialidade do magistrado que atuou durante a investigação para julgar a ação penal. O argumento do ministro evidencia como é fácil recorrer a uma linguagem aparentemente jurídica – no caso, o princípio da proporcionalidade – para revisar politicamente a vontade do legislador. Com a liminar de janeiro de 2020 e mais recentemente com seu voto, Luiz Fux apenas discordou da escolha feita pelo Congresso, como se o STF fosse uma terceira casa legislativa. Felizmente, os outros dez ministros tiveram uma compreensão do papel da Corte mais alinhada com o que dispõe a Constituição.