Talião não é bom conselheiro (com comentário nosso)

By | 18/01/2024 8:28 am
Imagem ex-librisÉ desumana, imprudente e oportunista a articulação entre os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas, de Minas, Romeu Zema, e de Goiás, Ronaldo Caiado, para aprovar no Senado um projeto de lei que põe fim às saídas temporárias de presos, conhecidas como “saidinhas”, benefício concedido aos apenados de bom comportamento que cumprem o regime semiaberto.

É desumana porque está inspirada por uma concepção medieval de pena, segundo a qual, quanto mais supliciado for um criminoso – ou mero suspeito –, mais o clamor por “justiça” será aplacado. Nesse sentido, note-se que são poucos os que ainda se espantam com a renitência do “estado de coisas inconstitucional” em que se encontra o sistema prisional do País, sem que uma só autoridade tenha tido coragem para enfrentar esse problema, ponto de partida para políticas públicas sérias na área de segurança.

Os governadores vocalizam uma compreensão obtusa de que criminosos, ao serem capturados, deixam de ser titulares de direitos – inclusive, e sobretudo, direitos humanos. Mais bem dito: para essa turma, movida por uma mentalidade de aniquilação, criminosos são animais; e quanto pior forem tratados, melhor para a sociedade. Essa não é uma ideia de segurança pública que anima apenas autoridades brasileiras. Em El Salvador, Nayib Bukele é uma celebridade por encarnar, até de forma caricata, a ideia segundo a qual “bandido bom é bandido morto”.

Casos de sucesso em políticas de segurança pública no mundo civilizado são aqueles que não negam a existência de direitos aos que violam as leis; ao contrário, são os que lembram a todo instante que, num Estado Democrático de Direito, não há lugar para a barbárie nem tampouco há confusão entre justiça e justiçamento. As câmeras corporais nas fardas das polícias são exemplo vívido desse tipo de abordagem da segurança pública, profissional e republicana.

A articulação pelo fim das “saidinhas” entre Tarcísio, Zema e Caiado também é imprudente porque não considera as evidências científicas. É sabido que uma ínfima minoria de presos não retorna ao cárcere terminado o período de liberação judicial – cerca de 4,5% dos beneficiados. Em São Paulo, 34.547 presos saíram às ruas para as festas de fim de ano. Desses, apenas 1.566 não retornaram no dia aprazado, e só 81 deles – 0,002% dos beneficiados – foram flagrados pela polícia paulista cometendo crimes.

Diante desses números, é vergonhosa a declaração do secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, segundo a qual as “saidinhas” representam “um dos principais entraves para a segurança pública” no Estado. Ou se está diante de desonestidade ou se trata de rematada incompetência do sr. Derrite, por erro de diagnóstico tão crasso, para ocupar um cargo muito acima de suas capacidades.

Por fim, trata-se de uma articulação oportunista tendo em vista os cenários políticos delineados não só para 2024, como também para 2026, ano de eleições gerais. Tarcísio, Zema e Caiado apelam à emoção primal dos eleitores, fartos de décadas da incompetência do Estado para lhes prover segurança. Presumem que os cidadãos querem vingança, não justiça. E, ao invés de iluminar o caminho, o obscurecem ainda mais com seu populismo rasteiro.

O fim das saídas temporárias não torna a sociedade mais segura e ainda pode aumentar o risco de violência a que estão expostos os cidadãos. Os beneficiados pela medida, lembremos, já saem dos presídios para trabalhar ou estudar hoje, retornando à prisão apenas para o pernoite. Ademais, cumprem suas penas em estabelecimentos despreparados para o regime semiaberto, convivendo com presos de altíssima periculosidade.

Um caminho técnico para evitar que presos em liberdade temporária fujam ou cometam crimes durante as saídas, sem prejuízo de outras propostas, seria aprimorar os critérios para a liberação, negando o benefício, por exemplo, a membros de organizações criminosas.

Tudo mais é aceno irresponsável para os sedentos de sangue, em particular nas redes sociais, essa espécie de Coliseu do século 21.

Comentário nosso

Concordo plenamente com o editorialista. A saidinha faz parte do programa de ressocialização dos detentos. O que tem se melhorar seus os critérios de liberação. A ideia de negar a saída para membros de organizações criminosas é oportuna. Membros de grupos criminosos não têm nenhum compromisso com a sociedade, seu compromisso é exclusivamente com seus grupos ou facções. Vão continuar fazendo o que os seus chefes mandarem fazer e nunca o que é melhor do ponto de vista social. (LGLM)

 

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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