Digam o que disserem seus detratores, essa inovação veio para ficar como valioso instrumento para a segurança pública e a garantia dos direitos dos cidadãos. Mais do que uma tecnologia, é uma política pública utilizada em diversos países – Estados Unidos, Reino Unido e Canadá entre eles – para reduzir o uso indevido da força, melhorar a produtividade, criar mecanismos de gestão, formação e controle da atividade policial e assegurar meios de transparência da ação estatal nessa área. A câmera tende a reduzir a truculência durante as abordagens policiais, contribui para a produção de provas judiciais e para a formação dos agentes públicos e freia a impunidade dos maus policiais, antes protegidos pela ausência de informação detalhada de suas ações.
Os melhores resultados estão na redução da letalidade policial. Em São Paulo, por exemplo, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Unicef, houve queda de 62,7% nos óbitos decorrentes de intervenções policiais entre 2019 e 2022. A adoção das câmeras nos uniformes não foi o único fator, mas certamente contribuiu para reduzir as ocorrências. A pedido do comando da PM paulista, a Fundação Getulio Vargas produziu outro estudo apontando seu efeito direto e chegou a um número eloquente: as câmeras evitaram 104 mortes na região metropolitana em 14 meses analisados. Também reduziram em 57% o número de mortes decorrentes de ações policiais em relação a unidades policiais onde, até aquele momento, não havia a implantação da tecnologia. Essa mesma tendência foi constatada em Santa Catarina.
São evidências nada triviais, mas ao que parece ainda insuficientes para convencer tanto o governador Tarcísio de Freitas quanto o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, que volta e meia ou minimizam um programa bem-sucedido ou sugerem mudanças para desidratá-lo. O governador chegou a questioná-lo com todas as letras. Os números mencionados acima informam o contrário. E episódios ruidosos como a Operação Escudo, realizada no ano passado, também desabonam o injustificado ceticismo do governador. Com quase 30 mortes em 40 dias, foi a operação policial mais letal do Estado desde o massacre do Carandiru, em 1992, com suspeitas de abuso e de execução sumária por parte da polícia. E ninguém sabe ao certo o que ocorreu porque os policiais não estavam usando as câmeras corporais ou mantinham seus equipamentos desligados.
Ou seja, seu uso é também uma forma de proteger policiais contra falsas acusações. Também assegura a possibilidade de reconhecer boas práticas e reduzir a violência sofrida pelos próprios policiais, além de fortalecer a prova produzida por eles. Eis aí um ponto fundamental: com câmeras em uniformes, população e policiais são beneficiados e protegidos. Diferentemente do que pensam alguns, a medida vai muito além de comprar câmeras e acoplá-las aos uniformes. Há um longo trabalho em infraestrutura, treinamento, convencimento interno das corporações, compartilhamento seguro de evidências e alteração dos currículos na formação policial.
No limite, todos ganham. Ou quase todos. Perde quem acredita em operações espetaculosas, em baixa necessidade de inteligência e investigação e nas ilusões armadas como o caminho mais adequado para enfrentar a violência.