O acordo é verdadeiramente histórico. A ligação entre as duas cidades é aguardada há praticamente um século pelos moradores da região. Quase 80 mil pessoas fazem a travessia do canal diariamente por balsas, com filas de espera que variam conforme o fluxo de veículos e as condições climáticas. Cerca de 10 mil caminhões precisam fazer o percurso por rodovia, em um trecho de 45 km.
O túnel terá 1,8 km de extensão e reduzirá consideravelmente o tempo de ligação entre as duas margens da Baixada Santista, região por onde passam nada menos que 30% das exportações e importações brasileiras. É quase inacreditável, portanto, que se tenha levado tanto tempo para resolver um dos maiores gargalos logísticos do País.
É fato que havia dúvidas a respeito da melhor forma de conectar os dois municípios, por túnel ou ponte, mas disputas políticas pela paternidade da obra explicam a maior parte da letargia decisória. Por isso mesmo, é preciso celebrar quando duas das principais lideranças políticas do País conseguem deixar de lado suas diferenças políticas em nome de um bem comum.
Lula da Silva, inicialmente, planejava financiar o túnel com recursos da União, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), sem participação do Estado. Tarcísio de Freitas, por sua vez, preferia executar a obra por meio de uma Parceria Público-Privada (PPP) e ameaçava travar a emissão de licenças se a União seguisse com o plano original.
Tudo se encaminhava para uma batalha que duraria anos e resultaria em mais uma oportunidade perdida. Foi o que ocorreu durante os mandatos de Jair Bolsonaro na Presidência e de João Doria no governo do Estado, ferrenhos adversários que protagonizaram uma disputa política de consequências deletérias para ambos, mas, sobretudo, para a população paulista.
Lula da Silva, a bem da verdade, é mais habilidoso que Bolsonaro. Sem maioria no Congresso, o petista investe na polarização sem deixar de reconhecer a necessidade de negociações entre, segundo suas palavras, “aqueles que não gostamos e os que não gostam de nós”.
Tarcísio, no entanto, oscila entre o pragmatismo que se exige do governador de São Paulo e a fidelidade a um padrinho político que sempre rejeitou peremptoriamente o diálogo com adversários e boicotou ações compartilhadas entre entes federativos à revelia da própria Constituição.
Este jornal não se furta de criticar o governador quando ele insiste em seguir o receituário populista do bolsonarismo, em especial na área de segurança pública. A Operação Escudo, as ações na Cracolândia e sua resistência ao uso de câmeras em fardas policiais desprezam todas as evidências e só podem ser explicadas pela lealdade a Bolsonaro e sua virulenta claque.
No episódio do túnel entre Santos e Guarujá, no entanto, Tarcísio mostrou que sabe agir como estadista. Foi a Brasília, reuniu-se com Lula e os ministros da Casa Civil, Rui Costa, e de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, seu colega de partido, o Republicanos.
Tarcísio, ao ignorar os celerados bolsonaristas que se abespinham toda vez que aparece na foto com Lula, revela-se à altura do cargo e deferente ao espírito constitucional, que incentiva a colaboração entre União, Estados e municípios. Manter um diálogo institucional com o presidente e demais autoridades do Executivo já foi visto como algo natural e deveria ser resgatado.
Não foi a primeira vez que Tarcísio demonstrou ter essa compreensão. Basta lembrar a simbólica caminhada que uniu representantes dos Três Poderes e os governadores na Esplanada dos Ministérios após o episódio do 8 de Janeiro, bem como as ações emergenciais depois das fortes chuvas que atingiram o Litoral Norte no ano passado.
O Brasil será um país bem melhor quando gestos civilizados como esses deixarem de ser notícias excepcionais.