O valor do diálogo político

By | 01/02/2024 8:18 pm
Imagem ex-librisO presidente Lula da Silva e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, chegaram a um acordo para a construção de um túnel que ligará as cidades de Santos e Guarujá. Pela negociação, selada nesta semana em Brasília, União e Estado vão dividir os custos e, sobretudo, os louros do empreendimento. O termo de cooperação para o início das obras deve ser assinado em uma cerimônia no litoral paulista para celebrar os 132 anos do Porto de Santos.

O acordo é verdadeiramente histórico. A ligação entre as duas cidades é aguardada há praticamente um século pelos moradores da região. Quase 80 mil pessoas fazem a travessia do canal diariamente por balsas, com filas de espera que variam conforme o fluxo de veículos e as condições climáticas. Cerca de 10 mil caminhões precisam fazer o percurso por rodovia, em um trecho de 45 km.

O túnel terá 1,8 km de extensão e reduzirá consideravelmente o tempo de ligação entre as duas margens da Baixada Santista, região por onde passam nada menos que 30% das exportações e importações brasileiras. É quase inacreditável, portanto, que se tenha levado tanto tempo para resolver um dos maiores gargalos logísticos do País.

É fato que havia dúvidas a respeito da melhor forma de conectar os dois municípios, por túnel ou ponte, mas disputas políticas pela paternidade da obra explicam a maior parte da letargia decisória. Por isso mesmo, é preciso celebrar quando duas das principais lideranças políticas do País conseguem deixar de lado suas diferenças políticas em nome de um bem comum.

Lula da Silva, inicialmente, planejava financiar o túnel com recursos da União, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), sem participação do Estado. Tarcísio de Freitas, por sua vez, preferia executar a obra por meio de uma Parceria Público-Privada (PPP) e ameaçava travar a emissão de licenças se a União seguisse com o plano original.

Tudo se encaminhava para uma batalha que duraria anos e resultaria em mais uma oportunidade perdida. Foi o que ocorreu durante os mandatos de Jair Bolsonaro na Presidência e de João Doria no governo do Estado, ferrenhos adversários que protagonizaram uma disputa política de consequências deletérias para ambos, mas, sobretudo, para a população paulista.

Lula da Silva, a bem da verdade, é mais habilidoso que Bolsonaro. Sem maioria no Congresso, o petista investe na polarização sem deixar de reconhecer a necessidade de negociações entre, segundo suas palavras, “aqueles que não gostamos e os que não gostam de nós”.

Tarcísio, no entanto, oscila entre o pragmatismo que se exige do governador de São Paulo e a fidelidade a um padrinho político que sempre rejeitou peremptoriamente o diálogo com adversários e boicotou ações compartilhadas entre entes federativos à revelia da própria Constituição.

Este jornal não se furta de criticar o governador quando ele insiste em seguir o receituário populista do bolsonarismo, em especial na área de segurança pública. A Operação Escudo, as ações na Cracolândia e sua resistência ao uso de câmeras em fardas policiais desprezam todas as evidências e só podem ser explicadas pela lealdade a Bolsonaro e sua virulenta claque.

No episódio do túnel entre Santos e Guarujá, no entanto, Tarcísio mostrou que sabe agir como estadista. Foi a Brasília, reuniu-se com Lula e os ministros da Casa Civil, Rui Costa, e de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, seu colega de partido, o Republicanos.

Tarcísio, ao ignorar os celerados bolsonaristas que se abespinham toda vez que aparece na foto com Lula, revela-se à altura do cargo e deferente ao espírito constitucional, que incentiva a colaboração entre União, Estados e municípios. Manter um diálogo institucional com o presidente e demais autoridades do Executivo já foi visto como algo natural e deveria ser resgatado.

Não foi a primeira vez que Tarcísio demonstrou ter essa compreensão. Basta lembrar a simbólica caminhada que uniu representantes dos Três Poderes e os governadores na Esplanada dos Ministérios após o episódio do 8 de Janeiro, bem como as ações emergenciais depois das fortes chuvas que atingiram o Litoral Norte no ano passado.

O Brasil será um país bem melhor quando gestos civilizados como esses deixarem de ser notícias excepcionais.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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