É possível que estejamos diante de um prenúncio de algo ainda maior por vir. Pelo que veio à luz até aqui, as evidências e os contornos do enredo golpista são fartos e graves. A peça que sustentou a operação menciona “núcleos de atuação do grupo criminoso” – da disseminação de notícias falsas para atacar o sistema eleitoral ao incitamento de militares para aderir ao golpe; de uma rede de apoio operacional para as manifestações golpistas até a elaboração de minutas de decretos para sustentar, com certo verniz jurídico e constitucional, a supressão do Estado Democrático de Direito.
Não faltaram – nem faltarão – festejos daqueles que desejam a mais rápida e exemplar punição para o golpismo instalado no País, estimulado pelo ex-presidente. Após passar décadas desafiando impunemente a democracia, entre os tempos de mau militar ao período de congressista do baixo clero, Bolsonaro exerceu seu mandato na Presidência disposto a ignorar o compromisso de respeitar a Constituição, valendo-se do cargo para tumultuar e deslegitimar o processo eleitoral. Seu leitmotiv era o de disseminar a desconfiança nas urnas, gerar instabilidade e criar condições para um eventual golpe. O ápice dos seus ataques foi a reunião de 18 de julho de 2022 com embaixadores estrangeiros para atacar as urnas eletrônicas, peça fundamental para o Tribunal Superior Eleitoral declarar sua inelegibilidade.
Isto posto, o momento exige prudência e serenidade das lideranças e instituições envolvidas. O pior dos males, nessas circunstâncias definidoras da história, é o açodamento, a sanha punitivista, a espetacularização, os excessos cometidos em nome de uma simbologia política e midiática e o descumprimento dos mais estreitos limites dos direitos e liberdades individuais previstos na Constituição. Não custa dizer o óbvio: ainda que haja uma pletora de evidências, ninguém pode ser considerado culpado até prova em contrário. E não só as provas precisam ser seguras e confiáveis, como aos suspeitos deve ser garantido o amplo direito de defesa.
A história recente informa, no entanto, que alguns dos limites têm se tornado bastante elásticos na busca de culpados pelos atentados à democracia brasileira. O STF e, em particular neste processo, o ministro Alexandre de Moraes têm atuado de maneira heterodoxa em muitos momentos. São alguns dos seus vícios a politização, o excesso de protagonismo (inclusive fora dos autos) e o espírito de justiceiro, ensejando um clima de vale-tudo institucional – sempre, é claro, em nome de uma boa causa. Foi esse mesmíssimo problema, convém lembrar, que maculou a Lava Jato e fez ruir a operação e decompôs a biografia de seus artífices.
O Brasil esteve diante de um dos mais significativos ataques à democracia de sua história. É exatamente por essa razão que se exige o mais absoluto cuidado com o processo destinado a repará-lo. Nada mais poderoso e eficiente, para proteger a democracia, do que seguir o que está na lei. Contra o atentado à democracia, a melhor resposta é mais democracia.