O tempo da prudência

By | 09/02/2024 6:11 am
Imagem ex-librisA história costuma ter dias e momentos determinantes, e o 8 de fevereiro de 2024 pode se tornar um deles. A operação da Polícia Federal que investiga uma possível tentativa de golpe de Estado investiu ontem contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e alguns dos seus aliados mais próximos, com 33 mandados de busca e apreensão, 4 mandados de prisão e 48 medidas cautelares. Entre os alvos estavam os generais Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional; Braga Netto, ex-ministro-chefe da Casa Civil e candidato a vice na derrotada chapa de Bolsonaro à reeleição; e Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa. Entre os presos, o coronel Marcelo Costa Câmara, ajudante de ordens do então presidente; e Filipe Martins, ex-assessor internacional. O próprio Bolsonaro foi alvo, com a determinação de retenção do seu passaporte. A operação também envolveu o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, que acabou preso por uma razão paralela, a de porte ilegal de arma de fogo.

É possível que estejamos diante de um prenúncio de algo ainda maior por vir. Pelo que veio à luz até aqui, as evidências e os contornos do enredo golpista são fartos e graves. A peça que sustentou a operação menciona “núcleos de atuação do grupo criminoso” – da disseminação de notícias falsas para atacar o sistema eleitoral ao incitamento de militares para aderir ao golpe; de uma rede de apoio operacional para as manifestações golpistas até a elaboração de minutas de decretos para sustentar, com certo verniz jurídico e constitucional, a supressão do Estado Democrático de Direito.

Não faltaram – nem faltarão – festejos daqueles que desejam a mais rápida e exemplar punição para o golpismo instalado no País, estimulado pelo ex-presidente. Após passar décadas desafiando impunemente a democracia, entre os tempos de mau militar ao período de congressista do baixo clero, Bolsonaro exerceu seu mandato na Presidência disposto a ignorar o compromisso de respeitar a Constituição, valendo-se do cargo para tumultuar e deslegitimar o processo eleitoral. Seu leitmotiv era o de disseminar a desconfiança nas urnas, gerar instabilidade e criar condições para um eventual golpe. O ápice dos seus ataques foi a reunião de 18 de julho de 2022 com embaixadores estrangeiros para atacar as urnas eletrônicas, peça fundamental para o Tribunal Superior Eleitoral declarar sua inelegibilidade.

Isto posto, o momento exige prudência e serenidade das lideranças e instituições envolvidas. O pior dos males, nessas circunstâncias definidoras da história, é o açodamento, a sanha punitivista, a espetacularização, os excessos cometidos em nome de uma simbologia política e midiática e o descumprimento dos mais estreitos limites dos direitos e liberdades individuais previstos na Constituição. Não custa dizer o óbvio: ainda que haja uma pletora de evidências, ninguém pode ser considerado culpado até prova em contrário. E não só as provas precisam ser seguras e confiáveis, como aos suspeitos deve ser garantido o amplo direito de defesa.

A história recente informa, no entanto, que alguns dos limites têm se tornado bastante elásticos na busca de culpados pelos atentados à democracia brasileira. O STF e, em particular neste processo, o ministro Alexandre de Moraes têm atuado de maneira heterodoxa em muitos momentos. São alguns dos seus vícios a politização, o excesso de protagonismo (inclusive fora dos autos) e o espírito de justiceiro, ensejando um clima de vale-tudo institucional – sempre, é claro, em nome de uma boa causa. Foi esse mesmíssimo problema, convém lembrar, que maculou a Lava Jato e fez ruir a operação e decompôs a biografia de seus artífices.

O Brasil esteve diante de um dos mais significativos ataques à democracia de sua história. É exatamente por essa razão que se exige o mais absoluto cuidado com o processo destinado a repará-lo. Nada mais poderoso e eficiente, para proteger a democracia, do que seguir o que está na lei. Contra o atentado à democracia, a melhor resposta é mais democracia.

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Category: Destaques

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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