Ato serviu para reforçar laços de lealdade de aliados e cumpriu objetivo de produzir foto da força do ex-presidente, mas é inócuo para destino na Justiça
(Diogo Schelp, no Estadão, em 25/02/2024)
A manifestação, coreografada do asfalto ao carro de som, cumpriu seu objetivo. Conseguiu confirmar que nenhum outro político no Brasil consegue mobilizar as massas da mesma forma, com tanta facilidade. Demonstrou a obediência servil dos apoiadores, que cumpriram a determinação de não exibir cartazes com mensagens golpistas e que foram capazes de se conter nas palavras de ordem contra o ministro Alexandre de Moraes mesmo quando o pastor Silas Malafaia gritou que ele tinha sangue nas mãos pela morte na prisão de um dos réus do 8 de janeiro, Cleriston Pereira da Cunha.
Mas Bolsonaro em cima de um carro de som sem bradar ofensas e ataques às instituições e aos inimigos de sempre não é o mesmo Bolsonaro de sempre. É tirar do populista a essência do populismo. E, para surpresa de ninguém, ele não cumpriu a promessa de apresentar sua defesa às suspeitas que embasam as investigações da Polícia Federal. Nos parcos trechos em que fez menção ao caso, Bolsonaro disse que preparar um decreto de estado de sítio não é golpe e que golpe precisa de tanques nas ruas e conspiração. Ou seja, deu a entender que, quaisquer que fossem suas intenções, estavam de acordo com a Constituição, e omitiu os indícios de que houve uma tentativa de diversas pessoas do seu círculo próximo (conspiração) de obter apoio para uma intervenção militar (tanques nas ruas).
“Creio que está explicada essa questão”, disse Bolsonaro, acrescentando em seguida que é preciso virar essa página da nossa história. Do ponto de vista do seu destino jurídico, as palavras de Bolsonaro e a foto da multidão na Avenida Paulista são inócuas. Do ponto de vista histórico, mantêm muitas lacunas a serem preenchidas, não páginas viradas.