No Brasil, um dos países mais desiguais do mundo, o teto salarial da magistratura é 15 vezes maior que o rendimento médio dos brasileiros. Na Europa é só 4 vezes maior. Mas, peritos em violar o teto constitucional, juízes (e, na esteira, promotores) engordam seus contracheques se autoconcedendo todo tipo possível e imaginável de auxílios, gratificações e indenizações que se somam a 60 dias de férias e aposentadoria integral. Não surpreende que os juízes ocupem o 0,1% que se encontra no topo da pirâmide social nem que o Judiciário brasileiro seja um dos mais caros do mundo.
Mas o caso mais venal dessa perversão institucionalizada da moralidade pública – por conjugar, a um tempo, desigualdade de renda, privilégio legal e impunidade – talvez seja a “pena disciplinar” máxima prevista na Lei Orgânica da Magistratura por infração ou delito grave: aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. No âmbito administrativo, é esse o castigo mais duro a juízes que, por exemplo, descumpriram seus deveres, praticaram tráfico de influências, venderam sentenças ou participaram ativamente de organização criminosa.
Segundo levantamento da revista piauí, entre 2005 e 2019 o Conselho Nacional de Justiça “puniu” com aposentadoria 35 juízes de primeira instância, 22 desembargadores e 1 ministro do Superior Tribunal de Justiça por delitos como venda de liminares e sentenças a bicheiros e narcotraficantes, estelionato e desvio de recursos públicos. Nesse período, os 58 magistrados receberam, sem trabalhar, vencimentos totais de R$ 137,4 milhões, o suficiente para pagar 1.562 aposentados pelo INSS.
Recentemente, um juiz do TRT da 2.ª Região foi aposentado aos 41 anos por assédio sexual a quase 30 mulheres. Em casos como esse, que envolvem crime, o juiz ainda poderá num futuro remoto ser expulso e perder os proventos após sentença judicial transitada em julgado. Até lá, seguirá gozando do dolce far niente à custa do contribuinte e, se e quando for expulso, nada será ressarcido. Nos outros casos, de juízes punidos por infrações administrativas, eles receberão religiosamente uma renda vitalícia de R$ 32 mil, podendo ganhar mais com outras atividades. Enquanto para o trabalhador comum uma aposentadoria média do INSS de R$ 1,7 mil (na melhor das hipóteses, de R$ 7,5 mil) será uma conquista de 40 anos de trabalho e contribuição, para os juízes delinquentes essa quantia será só uma fração irrisória do “castigo” dado por seus colegas de toga.
Nos últimos dias de seu mandato no Senado, o agora ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino protocolou uma proposta de emenda à Constituição que elimina a pena de aposentadoria e prevê a expulsão de juízes que cometeram delitos graves. O estatuto valerá também para outros servidores que ocupam cargos vitalícios, como promotores e militares. “Se um servidor público civil pratica um ato de corrupção, ele é processado administrativamente e é demitido, perde o cargo. Praticamente 99% dos servidores públicos se submetem a essa lógica”, disse Dino. “Não há vitaliciedade que se sobreponha à moralidade administrativa.”
Esse não é o primeiro projeto do gênero, e os outros sepultados nos escaninhos do Congresso despertam o temor de que não será o último. Se desta vez vier a ser aprovado, eliminará o mais ultrajante dos privilégios da magistratura. Mas ele é só um, só uma fração irrisória do todo. Mesmo eliminado, a sociedade precisará pressionar seus representantes eleitos para erradicar os outros 99%.
Comentário nosso
Qualquer funcionário que cumpra mal o seu papel pode perder o emprego se for condenado por isto. É o certo, ninguém discute isso. Mas um juiz, “pode pintar e bordar”, cometendo delitos como venda de liminares e sentenças a bicheiros e narcotraficantes, estelionato e desvio de recursos públicos. A pena que sofre num caso destes é a aposentadoria compulsória, mas com direito a continuar recebendo os rendimentos que recebia. Isto é um verdadeiro absurdo. É isto que o agora Ministro do STF, Flávio Dino, quando ainda senador, está tentando acabar com o seu projeto. Esperamos que o Congresso Nacional crie vergonha e acabe com este absurdo. (LGLM)