A virtude da normalidade

By | 04/04/2024 7:10 am
Imagem ex-librisO comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, deu uma inestimável contribuição à normalidade democrática ao manifestar-se favoravelmente à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que formou maioria contra o suposto papel de “poder moderador” das Forças Armadas em situações de crise institucional. Questionado em entrevista se estava de acordo com o voto dado até aqui por ministros da mais alta Corte do País, ele respondeu: “Totalmente. Não há novidade para nós. Quem interpreta a Constituição em última instância é o STF e isso já estava consolidado como o entendimento”.

Em breves palavras, o general cumpriu o que se espera de qualquer democrata, seja ele militar ou civil: defendeu a Constituição, reconheceu a instituição que tem a missão de interpretá-la e resguardou as Forças Armadas de qualquer outra interpretação fabricada pelo cinismo golpista dos últimos anos.

Assim como ministros do Supremo se viram perplexos ao precisar dedicar tempo e esforço para demonstrar algo elementar, não deixa de ser surpreendente que a declaração do general Tomás Paiva precise de reconhecimento e aplauso ao reafirmar obviedade igual. Mas convém lembrar a singularidade das circunstâncias: era necessário afastar de uma vez por todas o fantasma do “poder moderador” que extremistas tentaram emplacar, intoxicados por anos de fumaça bolsonarista.

A maioria do STF deixou evidente que nem o Supremo nem o presidente da República podem ser qualificados como “poderes moderadores”. Muito menos as Forças Armadas, nem sequer configuradas como Poder como o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Do mesmo modo, o chefe do Executivo tem prerrogativas limitadas, sem que a ele seja concedido o direito de recorrer às Forças Armadas para barrar a independência dos demais Poderes. A doutrina de que militares estariam constitucionalmente autorizados a intervir para arbitrar conflitos institucionais só existiu mesmo na cabeça de golpistas. Como sustentou o ministro Gilmar Mendes no seu voto, a hermenêutica da baioneta não cabe na Constituição.

O general Tomás Paiva sabe disso. Sabe também que as Forças Armadas estiveram engolfadas por esse fantasma, e que ainda há nelas uma pletora de infiltrados dispostos a ressuscitá-lo. Ele próprio – assim como outros legalistas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica – foi vítima de ataques ferozes vindos dos quartéis e de militares instalados no Palácio do Planalto de Jair Bolsonaro. Num dos diálogos mencionados nas investigações sobre a suposta articulação do ex-presidente pela anulação das eleições, Tomás Paiva é duramente criticado por se opor à tentativa de golpe.

O oportuno recado do general emite sinais, portanto, para fora e para dentro dos quartéis, além de servir de importante premissa para o longo trabalho de despolitização das Forças Armadas. E demonstra que há situações nas quais a virtude da normalidade significa também uma excepcionalidade, como lenitivo a nos proteger de riscos institucionais. É este o caso.

Comentário

Category: Nacionais

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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