Aprovação da PEC das drogas no Senado se presta a retaliar o STF, em mais um capítulo da espiral de revanche entre os Poderes. Sem autocontenção, as instituições não funcionam
A frase envelheceu rápido e mal. O que se vê é o contrário. Cada Poder gastando muito tempo e energia com sua agenda própria, ora confrontando outro Poder para demonstrar força, ora se aliando para revidar a um terceiro Poder, e isso em meio a lutas intestinas em cada um dos Poderes e uma polarização política calcificada em pleno ano eleitoral.
Um STF de configuração mais progressista, insatisfeito com a “inércia” das maiorias conservadoras no Congresso, avança sobre pautas legislativas, como o marco temporal das terras indígenas, aborto, regulação das redes digitais ou a descriminalização da posse de maconha.
A esses erros o Congresso responde com outros, embutindo matérias na Constituição que deveriam estar restritas à legislação ordinária, apenas para se contrapor ao Supremo. O Senado acaba de aprovar a criminalização da posse de drogas – ociosa, porque já está na lei. Na Câmara, tramitam projetos que autorizariam o Congresso a sustar decisões do STF.
Se o Judiciário pisa fora de seu quadrado, desde os tempos de Dilma Rousseff o Congresso acumula poderes e discricionariedades, especialmente sobre o Orçamento, sem as correspondentes responsabilidades. O presidente da Câmara usa sua caneta para avançar ou reter pautas, quase sempre sem se referir ao mérito, mas para chantagear o Executivo a ceder cargos e emendas. O presidencialismo de coalizão se tornou um presidencialismo de colisão. Políticas públicas são desfiguradas, desidratadas, dispersas em meio a esse embate em que ambos os Poderes querem verbas, mas ninguém aceita cortes, e o equilíbrio fiscal se degrada a cada dia.
Por sua vez, um Executivo acuado por esse Congresso empoderado, onde sua base de esquerda é minoritária, apela ao Judiciário para reverter por decisões judiciais pautas que perde no voto. Nesta semana, o decano do STF, Gilmar Mendes, recebeu em sua casa o presidente Lula, o advogado-geral da União e o ministro da Justiça para um convescote com os ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Cristiano Zanin. Na pauta, um pedido de apoio a Lula e sua base ante o que os ministros consideram ameaças do Congresso e dos “golpistas” – como se fosse a coisa mais normal do mundo o presidente da República atuar como lobista do STF e ministros articularem uma espécie de “judicialismo de coalizão” para refrear ambições da oposição. Sem nenhum sinal de moderação nos “inquéritos do fim do mundo”, a tendência é de novas represálias do Congresso e mais radicalização da oposição bolsonarista.
Tudo isso é péssimo para o País. A cada pauta, já não se sabe se se está discutindo a coisa em si ou o ânimo vingativo de cada Poder, o interesse público ou os interesses privados. Os freios e contrapesos estão estiolados. Na verdade, não há contrapeso, mas pressão permanente; não há freios, só aceleradores. A lei da física é irrevogável, e nestas circunstâncias a tendência é de mais derrapagens e colisões.
Divergências são desejáveis na democracia. Inaceitável é a tentativa de interferência de um Poder em outro ou alianças espúrias entre Poderes, travestidas de “pacto”. Ora, esse pacto já foi feito, por meio da Constituição de 1988, e lá está claro: os Três Poderes devem ser “independentes e harmônicos entre si”. A harmonia só é possível quando cada um atua dentro de seus limites constitucionais, sem interferir na independência do outro. Mas o que se tem visto é o contrário: um ativismo frenético sob a justificativa virtuosa de “salvar a democracia”. Se esse é o objetivo, então só há um caminho: o da autocontenção.
Comentário nosso
Não se pode perder de vista que em um aspecto, o Judiciário tem precedência absoluta. Em caso de qualquer violação da Constituição, o STF, como Guardião da Constituição pode intervir e anular o ato do Executivo , do Legislativo ou de tribunais inferiores. O Legislativo pode alterar a Constituição, desde que não a viole naqueles casos que são consideradas cláusulas pétreas que estão dispostas em seu artigo 60, § 4º. São elas: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais. Nenhum dos três poderes pode mexer nestas cláusulas. Qualquer tentativa será nula de pleno direito, cabendo ao STF, simplesmente, declará-lo. (LGLM)