A desigualdade brasileira só não piorou graças ao Bolsa Família, segundo o IBGE, mas é espantoso ainda ver tantos milhões de dependentes do benefício estatal para sobreviver
A boa notícia é, primeiro, a constatação de que a expansão de programas sociais como o Bolsa Família ajudou a conter a desigualdade no País em 2023. A proporção de domicílios com algum beneficiário do programa atingiu níveis recordes, algo relativamente positivo depois da atabalhoada e eleitoreira criação do Auxílio Brasil pelo governo de Jair Bolsonaro, que não só demoliu as bases do Cadastro Único (CadÚnico) – porta de entrada dos programas sociais –, como eliminou as necessárias contrapartidas que o benefício impunha às famílias, como frequência escolar e cumprimento do calendário de vacinação das crianças. Para completar, a massa de rendimentos da população e o rendimento domiciliar per capita em 2023 foram recordes quando analisada a série histórica.
Mas isso não é tudo. A desigualdade só não piorou devido ao reforço do Bolsa Família e à recuperação do mercado de trabalho. Como o governo de Lula da Silva adicionou benefícios complementares conforme o número e a idade das crianças das famílias, o valor médio do rendimento per capita nos domicílios que recebiam o Bolsa Família em 2023 cresceu 42,4% na comparação com o ano anterior. Sem o Bolsa Família, a desigualdade teria piorado. No mercado de trabalho, mais gente obteve rendimentos, seguindo uma tendência desde 2021, mas a população de renda mais elevada conseguiu melhores salários, ampliando a distância entre ricos e pobres. Apesar de uma suave elevação na renda, trabalhadores menos escolarizados ficaram para trás.
Tais números oferecem uma constatação dupla e igualmente desabonadora: de um lado, a dependência em relação ao Bolsa Família para conter o avanço da desigualdade; de outro, mesmo sendo fundamental para reduzir o número de pessoas na extrema pobreza, o programa se mostra insuficiente para reduzir os níveis de pobreza e de desigualdade.
E nem foi criado para tanto. Apesar da prosápia lulopetista, programas de transferência de renda não produzem desenvolvimento social. Um torneiro mecânico que iniciou sua carreira décadas atrás pode ter subido na escala estatística da renda, mas, sem conquistas educacionais, aumento de produtividade, emprego com maior perspectiva de crescimento e condições melhores de saúde e saneamento, terá continuado no mesmo patamar da estratificação social original. Uma ascensão pela metade, frágil, de curto prazo e sujeita às intempéries e descontinuidades de ocasião. No caso de 2023, por exemplo, os ganhos tanto do Bolsa Família quanto do rendimento do trabalho foram neutralizados pela inflação.
É espantoso ainda haver tantos milhões de dependentes do benefício estatal para sobreviver. Estamos longe de acabar com a miséria e eliminar a desigualdade como um traço distintivo da formação nacional e, por essa razão, não se pode prescindir de um bom programa de transferência de renda. Mas isso continuará a ser insuficiente se não avançarmos nas condicionalidades do programa e, sobretudo, nos caminhos necessários para que eliminemos as vulnerabilidades e incertezas impostas à esmagadora maioria.
Originalmente, os formuladores do Bolsa Família previam que a porta de saída estaria nos filhos dos beneficiários – e ainda assim condicionada a uma soma complexa e contínua de mudanças estruturais. Uma geração depois, a luz no fim do túnel da pobreza é apenas um lusco-fusco.
Comentário nosso
O editorialista viu o galo cantando, mas não sabe onde. O jornalista tem a visão caolha dos políticos e dos técnicos de Brasília. Aparentemente houve uma maior distribuição de renda pois aumentou em milhões o número de gente recebendo o Bolsa Família. Mas eu constatei isso quando estava na fiscalização. Muita gente recusava a assinatura da Carteira Profissional para a mulher não perder o Bolsa Família. E hoje, na zona rural é difícil se encontrar um trabalhador para dar um dia de serviço, porque a mulher recebe seiscentos reais por mês, o que dar para comprar o grosseiro e ainda sobre o dinheiro da cachaça e ele não trabalha mais. Tem mulher engravidando para aumentar o dinheiro do bolsa família. Se você convida uma moça para trabalhar de doméstica, ela só aceita o emprego se você não assinar a carteira. porque ela não quer perder o bolsa família. E quem quiser a empregada e aceitar sem a carteira assinada vai correr o risco de amanhã ou depois a empregada ir reclamar todos os seus direitos na justiça, assim como tem feito muitos trabalhadores da construção civil que trabalham sem carteira assinada. Não seria o caso de acabar com o Bolsa-Família. O benefício deveria ser temporário e, enquanto isso, o trabalhar se inscrevia num programa para aprender alguma profissão e os SINEs da vida iam oferecendo emprego para quem estivesse sem trabalhar e quem não aceitasse o emprego perdia o Bolsa Família. Deveria limitar a quantidade e a idade dos filhos que davam direito ao adicional do Bolsa Família. E outras medidas desta natureza. Infelizmente, o brasileiro estragou o Bolsa Família, como muitos têm feito com o Seguro Desemprego, forçando a demissão ou negociando com os patrões para ficarem ganhando cinco meses sem trabalhar. Ou trabalhando se carteira assinada para receber dos dois lados. (LGLM)