Fruto do lobby dos Estados mais encalacrados do País, a proposta foi apresentada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e relatada pelo ex e futuro presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Com padrinhos desse calibre, o texto teve caminho fácil no Congresso, embora fosse um exemplo cristalino do que não deve ser feito em políticas públicas.
Ao contrário do que o Congresso faz parecer, os Estados – ao menos a maioria deles – não estão em dificuldades financeiras. Fosse um problema generalizado, teria havido uma verdadeira romaria de governadores para Brasília nesta semana em que o Senado aprovou o projeto de lei que segue agora para sanção presidencial.
O que há – e sempre houve – são os Estados perdulários de sempre reclamando do peso de suas dívidas em seus respectivos orçamentos. Quem estava no plenário do Senado na última terça-feira, dia em que o projeto foi aprovado, eram somente os governadores do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, e de Minas Gerais, Romeu Zema.
São esses os grandes beneficiários de uma proposta que só uma mãe faria por seus dois filhos pródigos. Embora tenham descumprido todas as condicionantes de acordos anteriores, recorrendo inclusive ao Supremo Tribunal Federal (STF) para não ter de pagar suas contas, Rio de Janeiro e Minas Gerais serão premiados com a redução dos juros e do estoque de suas dívidas.
Para isso, não precisarão sequer cortar despesas. É isso mesmo. Bastará que gastem recursos em áreas avaliadas como prioritárias, como o Ensino Médio Técnico. Também poderão repassar ativos à União, tais como ações de estatais estaduais, imóveis ou créditos da dívida ativa e até o fluxo de recursos futuros que receberão por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, criado na reforma tributária.
Os Estados poderão, ainda, depositar parte do que devem à União – e, diga-se de passagem, não pagam – a um fundo de equalização a ser dividido entre todos os outros Estados, sobretudo os menos endividados. Por que pagariam agora é uma pergunta que os Estados menos endividados deveriam ter feito antes de orientarem seus senadores e votarem a favor da proposta.
A depender do “sacrifício” que fizerem, os Estados conseguirão substituir o indexador de suas dívidas, hoje corrigidas pelo IPCA mais uma taxa de juros 4% ao ano, pela variação da inflação. Para ter uma ideia, na segunda-feira, um dia antes da votação da proposta no Senado, o Tesouro emitiu títulos com vencimento em 2029 que devolvem a variação do IPCA mais 7,73% ao ano.
Essa diferença não vai aparecer na dívida líquida nem no cálculo do déficit primário, mas aumentará a dívida bruta, indicador que os investidores passaram a acompanhar com lupa desde que o arcabouço fiscal começou a ser esvaziado.
Segundo o coordenador do Observatório de Política Fiscal e Orçamento Público do FGV Ibre, Manoel Pires, o impacto dessa proposta nas contas da União será de R$ 48 bilhões anuais, e de ao menos R$ 62 bilhões no primeiro ano em que ela vigorar. Para o economista-chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto, o projeto fará a dívida bruta subir até 2,4 pontos porcentuais entre 2025 e 2033.
Por 72 votos a zero, os senadores plantaram a semente da próxima crise federativa. Incautos poderiam imaginar que o Executivo fez de tudo para impedir que uma proposta que privilegia caloteiros contumazes fosse aprovada pelo Legislativo, ainda mais neste momento em que há desconfiança generalizada no mercado financeiro sobre seu compromisso fiscal.
Mas não foi isso que aconteceu. Tanto que Alcolumbre, inclusive, agradeceu o apoio “pessoal e incondicional” do ministro Fernando Haddad e do presidente Lula da Silva ao projeto durante a leitura de seu parecer.
A sanção dessa proposta indecente provavelmente será ocasião de cerimônia comemorativa no Palácio do Planalto. Ausentes estarão os contribuintes, que muito em breve terão de pagar a conta dessa farra.