O Supremo cumpriu sua função

By | 21/12/2022 6:59 am

Nas decisões sobre o orçamento secreto e o Bolsa Família fora do teto de gastos, o STF foi criticado por ativismo judicial. A rigor, o Supremo só protegeu, com base na lei, o Congresso

 

(OPINIÃO DO ESTADÃO,

 

Imagem ex-librisO líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), acusou o Supremo Tribunal Federal (STF) de “usurpar” prerrogativas do Congresso ao considerar inconstitucional o orçamento secreto. Classificou o julgamento de “puro ativismo” por parte dos ministros do Supremo. O deputado não está sozinho nesse tipo de crítica. Este jornal mesmo, em várias ocasiões, já fez reparos a decisões do Supremo que invadiam competências de outros Poderes. Mas, no caso do orçamento secreto, o Supremo apenas cumpriu seu dever de verificar se a prática de distribuição de recursos orçamentários sem transparência estava de acordo com a Constituição – e, obviamente, não estava.

Não raro, críticas como a do sr. Barros não levam em conta os fundamentos da decisão nem a competência do STF sobre a matéria específica. A decisão da qual se discorda seria fruto, simplesmente, da extrapolação das competências do Judiciário. Ou seja, em vez de ser uma crítica consistente, falar de ativismo judicial é, muitas vezes, apenas um modo de expressar contrariedade com a decisão, mas sem fundamentar essa contrariedade.

Tanto no julgamento sobre a constitucionalidade do orçamento secreto como na decisão liminar do ministro Gilmar Mendes que considerou que o Bolsa Família não está sujeito ao teto de gastos, havia normas constitucionais envolvidas. E a interpretação dessas normas era decisiva para a resolução das questões analisadas. O Supremo não extrapolou, portanto, suas competências nos dois casos. Vale lembrar, que, ao incluir na Constituição o teto de gastos, o próprio Congresso conferiu competência à Corte constitucional sobre o assunto.

Em tese, mesmo dispondo de competência sobre uma matéria, o STF pode incorrer em ativismo judicial se, na decisão, ele estipula regras ou parâmetros que cabe ao Legislativo ou ao Executivo definir; por exemplo, se a Corte definisse o valor a ser pago por um programa de distribuição de renda. Em razão da separação dos Poderes, não cabe ao Judiciário tomar decisões de natureza política. No entanto, por força desse mesmo princípio, é absolutamente normal, num Estado Democrático de Direito, que o Judiciário profira decisões jurídicas com grandes consequências políticas.

Nos dois casos, o STF não fez propriamente escolhas políticas. No julgamento do orçamento secreto, os ministros do Supremo simplesmente reconheceram que os princípios constitucionais da publicidade e da impessoalidade dos atos do poder público devem ser respeitados por todos, também pelo Congresso. O STF não inventou nenhuma norma. Apenas aplicou as existentes.

Na liminar do ministro Gilmar Mendes definindo que os recursos para programas sociais de renda básica, como o Bolsa Família, não estão sujeitos ao teto de gastos, também não foi criada uma nova regra. A decisão apenas entendeu que esses gastos já estão incluídos entre as exceções do art. 107, §6.º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, exceções essas que foram definidas pelo Congresso na Emenda Constitucional (EC) 95/2016. O fato de o Legislativo estudar, neste momento, possível alteração do texto constitucional para incluir exceção explícita sobre o tema não modifica a competência do Supremo para interpretar e aplicar as normas constitucionais vigentes.

A rigor, com as duas decisões, o STF protegeu o Congresso. O Legislativo tem de funcionar como dispõe a Constituição, de forma transparente. Essa é a sua melhor defesa. Na decisão liminar de Gilmar Mendes, evitou-se que uma interpretação jurídica bastante questionável – a de que o sustento das pessoas mais vulneráveis do País dependeria da aprovação de uma Emenda Constitucional, enquanto muitos outros gastos menos prioritários estão todos garantidos – levasse a uma pressão indevida sobre o Congresso, forçando-o a alterar abruptamente a Constituição.

Decisões jurídicas geram consequências sobre a realidade social, política e econômica do País. Isso não tem nenhuma novidade. O problema, a merecer especial vigilância, é a falta de adequada fundamentação na lei. Essa ausência é o que faz uma decisão judicial deixar de ser jurídica para se tornar política.

Comentário

Comentário

Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *