Texto viabiliza Bolsa Família de R$ 600 e facilita caminho para futuro governo rever teto de gastos
O Congresso concluiu nesta quarta-feira (21) a aprovação da PEC (proposta de emenda à Constituição) da Gastança, que expande o teto de gastos por um ano para o cumprimento de promessas do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Além de aliviar a pressão sobre o Orçamento, o texto facilita o caminho para Lula rever o teto de gastos, criticado por ele e pelo PT.
Um dispositivo permite que o novo governo lance um novo arcabouço fiscal por meio de projeto de lei complementar, cuja aprovação é mais simples —precisa de menos votos que uma PEC (como foi aprovado o teto de gastos).
A PEC da Gastança amplia o teto de gastos em R$ 145 bilhões no próximo ano. O texto ainda autoriza R$ 23 bilhões em investimentos fora da regra fiscal —o valor se refere ao excesso de arrecadação que o governo teve no ano anterior.
Com o espaço no teto, o governo eleito pretende pagar os R$ 600 do Bolsa Família mais R$ 150 para cada família com crianças de até seis anos.
A votação da PEC na Câmara começou na terça-feira (20), após acerto entre deputados e aliados de Lula, com a votação em primeiro turno. Nesta quarta, foi feito o segundo turno, e a proposta foi aprovada por 331 a 163. Eram necessários, no mínimo, 308 votos favoráveis. Nenhum destaque (sugestão de mudança pontual no texto) foi aprovado.
O texto teve que ser reanalisado ainda nesta quarta pelo Senado, já que ele foi alterado pelos deputados —foi desidratado, com a validade reduzida de dois anos para um.
Lá, ele foi aprovado novamente, agora por 66 votos a 11 no primeiro turno e 63 a 11 no segundo —eram necessários 49. Ainda foi derrubado um destaque que pretendia alterar a redistribuição de emendas de relator —que foram declaradas inconstitucionais pelo STF (Supremo Tribunal Federal) na segunda-feira (19).
Logo após a sessão do Senado, o presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) convocou o Congresso Nacional para promulgar a proposta, o que aconteceu ainda na noite da quarta —assim, o Orçamento será debatido nesta quinta-feira (21) já com o texto da PEC publicado no Diário Oficial. Não estavam presentes o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ou representantes da equipe de transição de governo.A conclusão foi viabilizada após Lira conseguir um acordo com o Republicanos para evitar uma nova desidratação da PEC.
Um destaque apresentado pelo Novo buscava retirar a possibilidade de o governo eleito apresentar, até o fim de agosto de 2023, uma proposta de nova âncora fiscal que substituísse o teto de gastos por um projeto de lei complementar.
Partidos como PSDB e Cidadania, que haviam apoiado a PEC, foram favoráveis ao destaque. O argumento central é que o dispositivo fragiliza o processo de escolha de âncoras fiscais e facilita para o futuro governo petista se desfazer do teto de gastos.
Para evitar o revés, Lira suspendeu a sessão da Câmara na terça-feira (20) após a votação do texto em primeiro turno e iniciou uma negociação para que o Republicanos, contrário à PEC no primeiro turno, não apoiasse o destaque.
Auxiliares de Lula então retomaram a articulação com o partido. O presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP), foi procurado pelo deputado José Guimarães (PT-CE), pelo senador Jaques Wagner (PT-BA) e pelo futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
O partido reclamou da falta de diálogo com representantes do presidente eleito, que negocia espaço no novo governo com outras siglas. O plano é ampliar a articulação com o Republicanos, deixando a porta aberta para que, no futuro, a legenda possa deixar de ser independente e passar a ser base de Lula.
Na votação pelo destaque, 40 parlamentares da sigla foram contra o destaque do Novo, que acabou derrubado por 366 a 130.
Portanto, foi mantido o dispositivo que prevê que o Executivo irá enviar uma nova proposta de regra fiscal até 31 de agosto de 2023. Quando aprovada essa nova regra (por projeto de lei complementar), será revogado da Constituição o teto atual.
A leitura feita pela equipe de Lula é que a inclusão do instrumento reforçaria o compromisso do novo governo com a reformulação do arcabouço fiscal.
O relator do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), ainda deve recompor programas como o Farmácia Popular e o Minha Casa, Minha Vida e reajustar o salário mínimo acima da inflação.
Em um desenho inicial feito pelo relator, o aumento do teto de gastos servirá para distribuir recursos para os orçamentos do Ministério da Saúde (R$ 22,7 bilhões), Desenvolvimento Regional (R$ 18,8 bilhões), Infraestrutura (R$ 12,2 bilhões) e Educação (R$ 10,8 bilhões), entre outros.
Por acordo entre líderes partidários, a Câmara desidratou a PEC da Gastança. Inicialmente, o governo tinha interesse em manter o aumento do teto de gastos autorizado por, no mínimo, quatro anos.
O Senado reduziu a validade da medida para dois anos. Na Câmara, o prazo foi enxugado ainda mais, para um ano.
Pelos termos do acordo, que deve ser mantido pelo Senado, o Congresso irá distribuir os R$ 19,5 bilhões previstos para as emendas de relator em 2023 da seguinte forma: metade fica sob o controle dos parlamentares, engordando as emendas individuais, e a outra metade voltará para o Executivo, repartindo o montante entre os ministérios.
Apesar da distribuição, lideranças do centrão afirmaram à Folha, sob reserva, que os recursos que voltarão aos ministérios devem ser utilizados como moeda para negociações políticas.
Assim, a cúpula do Congresso conseguirá manter alguma influência sobre parte do valor realocado em articulação com os ministérios do governo eleito.
Ao longo de sua tramitação, a PEC da Gastança provocou reação negativa no mercado financeiro, com alta no dólar e nos juros futuros, sob o temor de um aumento exagerado nos gastos públicos.
A desidratação do texto, na terça, foi bem recebida pelos investidores.O dólar, que já tivera forte queda na terça, fechou esta quarta a R$ 5,20.