Flávio Dino mostrou como evitar um golpe

By | 02/02/2023 7:45 am

Devo ao ministro, a Cappelli e a alguns outros o retorno a um país que ainda existe

 

(Fernanda Torres, atriz e roteirista, autora de “Fim” e “A Glória e Seu Cortejo de Horrores”, na Folha, em 01/02/2023)

 

Fernanda Torres

Talvez a distância tenha me feito desatenta, mas os canais brasileiros também se desdobravam em análises, comunicados e coletivas, sem oferecer nenhuma narrativa íntima dos que comandaram o barco legalista na tempestade.

“Essas histórias devem ser contadas porque, depois, elas se perdem no tempo”, alerta o ministro na conversa. E é o que faço aqui, para esquentar os motores da volta à ativa e para sublinhar o que não deve ser esquecido. Com a palavra, Flávio Dino:

“Na posse do presidente Lula, o acordo operacional funcionou muito bem. O que muda no dia 8 de janeiro? O comando. O comando mudou a orientação. O ministro José Múcio foi ao quartel-general do Exército, tudo tranquilo. Até as 13h30 do domingo, as mensagens que recebi pelo celular foram as mesmas que o Senado e a Câmara receberam do Governo do Distrito Federal, que tem o dever constitucional de garantir a ordem pública. Ou seja, todo mundo foi enganado.”

“O ataque começou às 14h40; 15h15 eu estava entrando na garagem. Quando olhei pela janela do gabinete, primeiro me espantei, porque era uma cena inesperada, depois senti uma profunda indignação. Eu não cometeria o ato vergonhoso, eu não me perdoaria nunca, de assistir a uma tentativa de golpe de Estado e não fazer nada.”

“Destruíram vidraças no Palácio da Justiça, jogaram pedras, bolas de gude de ferro. Durante uma hora e meia não se via policial na Esplanada. A adrenalina vai num nível que você começa a tomar decisões. Agi das três da tarde às três da manhã, 12 horas de pé. De vez em quando eu olhava aquilo e dizia: e se o povo invadir? Como é que vai ser?”

“A rápida decisão de decretar intervenção federal e assumir o comando da segurança do DF foi o que impediu o golpe. Em 1964, não havia o WhatsApp. Nós fizemos uma intervenção federal por WhatsApp, a ferramenta que municiou os golpistas.”

“- Presidente, assine e me mande a foto, porque decreto no meio dessa emergência vale!”

“- Mas não tem número.”

“- Presidente, me dê o decreto com a sua assinatura!”

“Mostrei o documento ao secretário Ricardo Cappelli e disse para ele descer e assumir o comando da PM do DF. E houve a coragem pessoal do Cappelli, o papel do indivíduo na história. Porque ele poderia ter me pedido outra coisa, ele tem filho para criar, mas o Cappelli desceu, foi atrás do comandante da PM e saiu puxando, ele e o secretário Diego Gaudino andaram com a PM até o quartel-general do Exército, no Setor Militar Urbano, levando a horda de terroristas para longe da Esplanada.”

“Havia uma ideia de que a ordem era só para desocupar os prédios.”

“- Não, eles estão em flagrante e nós vamos prendê-los! –eu disse. E abri o Código do Processo Penal no celular; – Está aqui, qualquer pessoa do povo PODE e o agente público DEVE prender quem está em flagrante.”

“No Brasil, os golpes de Estado procuram poupar uma aparência de legalidade. Em 1964, os ministros do Supremo não foram cassados. A invasão do STF gerou um problema de ilegalidade, o Supremo se indignou, começou a dar ordem e a juridicidade se impôs por sobre a violência.”

“Eu não me lembro de, numa sala, estarem os chefes dos Três Poderes, os ministros do Supremo e todos os governadores. E todos desceram a rampa com o presidente da República, atravessaram a praça e chegaram ao Supremo. Esse símbolo nos ajuda a desideologizar as Forças Armadas e policiais, que foram largamente capturadas pelo extremismo.”

Flávio Dino já havia dado provas de caráter e competência à frente do governo do Maranhão, durante o descarrilamento negacionista pandêmico. Depois dessa entrevista, minha sensação é a de que devo a ele, ao Cappelli e a alguns poucos o retorno a um país que ainda existe.

Deixo, aqui o link da entrevista completa e clamo pelo minuto a minuto do domingo do Cappelli, no Brasil 247.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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