Com menos de cinco meses de governo, o presidente Lula da Silva sofre as agruras de uma fraqueza política historicamente atípica para o momento. A esta altura, caso não estivesse perdido em outros propósitos, Lula deveria estar aproveitando a força e a popularidade advindas de sua recente vitória nas urnas para vencer resistências e pavimentar, no Congresso, o caminho para a aprovação de medidas difíceis, como o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária. Até agora, no entanto, o que se viu foi o exato oposto: uma coleção de reveses.
Disposto a mudar essa situação adversa, Lula anunciou que assumirá pessoalmente a articulação política de seu governo. O quadro de resistências aos interesses do Palácio do Planalto no Congresso, de fato, é de uma complexidade que demanda a ação direta de quem tem a caneta e a palavra final no Poder Executivo, além de, principalmente, a experiência em negociações políticas supostamente testada ao longo de outros dois mandatos presidenciais.
Como tubarões que sentem o cheiro de sangue na água, não faltam parlamentares dispostos a aproveitar esse estado de quase letargia do governo na condução de uma agenda política no Congresso – cada vez mais empoderado – para dele extrair tudo quanto for possível: dinheiro, cargos, poder. Lula, porém, parece olhar para o gigantesco desafio que tem diante de si com lentes embaçadas por convicções pregressas.
O mundo, o Brasil e o Congresso já não são mais os mesmos de 20 anos atrás. O chamado presidencialismo de coalizão opera hoje sob outras bases. É cada vez maior o poder dos parlamentares sobre a disposição de recursos do Orçamento da União, limitando os instrumentos republicanos à disposição do presidente de turno para atrair o Poder Legislativo para a mesa de negociação.
Para ser bem-sucedido nessa nova etapa do governo, e, sobretudo, para que o País seja o grande beneficiado pelos frutos dessa articulação política entre Lula e os líderes dos partidos no Congresso, o presidente precisa compreender que articulação política não é distribuição de dinheiro pura e simples; isso é compra de votos. Uma boa articulação política, a de que o Brasil tanto precisa para resolver seus problemas crônicos, implica, necessariamente, dividir poder, transigir sobre agendas tidas como conflitantes, caminhar para a moderação e gerar compromissos de coesão coadunados com o melhor interesse nacional, não com interesses paroquiais.
Só o tempo haverá de mostrar os resultados que a decisão de Lula de tomar para si a articulação política do governo vai produzir. Até agora, o presidente tem se revelado surpreendentemente inábil para construir uma maioria segura no Congresso em termos republicanos, sobretudo após o fim do orçamento secreto tal como o esquema fora concebido pelo governo de seu antecessor. Basta dizer que a base de apoio ao governo no Congresso nem sequer tem conseguido evitar a convocação de ministros de Estado para serem fustigados pela oposição em comissões temáticas da Câmara e do Senado.
Lula, pessoalmente, tem tido grande dificuldade até para conter a oposição do próprio PT à proposta de arcabouço fiscal formulada pelos Ministérios da Fazenda e do Planejamento. O presidente ainda passou pelo constrangimento de ver seus decretos para alterar a substância do Marco Legal do Saneamento ruírem, em boa hora, como um castelo de cartas.
Tudo isso, somado à instalação de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) contrárias aos interesses do governo e ao adiamento da votação do chamado “PL das Fake News”, evidencia a dimensão dos obstáculos que Lula precisa vencer para entregar ao sucessor um país melhor do que o que recebeu. Com uma base flutuante e uma oposição dividida entre os pragmáticos e os identitários, estes alinhados à extrema direita e infensos à barganha política com o governo, tal como era o PT na oposição, o Congresso é soberano em suas decisões. É o governo, Lula em particular, quem tem de trabalhar melhor para lidar com isso.