Cheiro de sangue na água, os tubarões vão se soltar

By | 07/05/2023 2:24 pm

Tubarões do Congresso farejam governos fracos, como parece ser este de Lula, o que tende a encarecer a governabilidade. Mas Lula deve compreender que articular não é só distribuir dinheiro

(Editorial do Estadão, em 07/05/2023)

 

Imagem ex-libris

Com menos de cinco meses de governo, o presidente Lula da Silva sofre as agruras de uma fraqueza política historicamente atípica para o momento. A esta altura, caso não estivesse perdido em outros propósitos, Lula deveria estar aproveitando a força e a popularidade advindas de sua recente vitória nas urnas para vencer resistências e pavimentar, no Congresso, o caminho para a aprovação de medidas difíceis, como o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária. Até agora, no entanto, o que se viu foi o exato oposto: uma coleção de reveses.

Disposto a mudar essa situação adversa, Lula anunciou que assumirá pessoalmente a articulação política de seu governo. O quadro de resistências aos interesses do Palácio do Planalto no Congresso, de fato, é de uma complexidade que demanda a ação direta de quem tem a caneta e a palavra final no Poder Executivo, além de, principalmente, a experiência em negociações políticas supostamente testada ao longo de outros dois mandatos presidenciais.

Como tubarões que sentem o cheiro de sangue na água, não faltam parlamentares dispostos a aproveitar esse estado de quase letargia do governo na condução de uma agenda política no Congresso – cada vez mais empoderado – para dele extrair tudo quanto for possível: dinheiro, cargos, poder. Lula, porém, parece olhar para o gigantesco desafio que tem diante de si com lentes embaçadas por convicções pregressas.

O mundo, o Brasil e o Congresso já não são mais os mesmos de 20 anos atrás. O chamado presidencialismo de coalizão opera hoje sob outras bases. É cada vez maior o poder dos parlamentares sobre a disposição de recursos do Orçamento da União, limitando os instrumentos republicanos à disposição do presidente de turno para atrair o Poder Legislativo para a mesa de negociação.

Para ser bem-sucedido nessa nova etapa do governo, e, sobretudo, para que o País seja o grande beneficiado pelos frutos dessa articulação política entre Lula e os líderes dos partidos no Congresso, o presidente precisa compreender que articulação política não é distribuição de dinheiro pura e simples; isso é compra de votos. Uma boa articulação política, a de que o Brasil tanto precisa para resolver seus problemas crônicos, implica, necessariamente, dividir poder, transigir sobre agendas tidas como conflitantes, caminhar para a moderação e gerar compromissos de coesão coadunados com o melhor interesse nacional, não com interesses paroquiais.

Só o tempo haverá de mostrar os resultados que a decisão de Lula de tomar para si a articulação política do governo vai produzir. Até agora, o presidente tem se revelado surpreendentemente inábil para construir uma maioria segura no Congresso em termos republicanos, sobretudo após o fim do orçamento secreto tal como o esquema fora concebido pelo governo de seu antecessor. Basta dizer que a base de apoio ao governo no Congresso nem sequer tem conseguido evitar a convocação de ministros de Estado para serem fustigados pela oposição em comissões temáticas da Câmara e do Senado.

Lula, pessoalmente, tem tido grande dificuldade até para conter a oposição do próprio PT à proposta de arcabouço fiscal formulada pelos Ministérios da Fazenda e do Planejamento. O presidente ainda passou pelo constrangimento de ver seus decretos para alterar a substância do Marco Legal do Saneamento ruírem, em boa hora, como um castelo de cartas.

Tudo isso, somado à instalação de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) contrárias aos interesses do governo e ao adiamento da votação do chamado “PL das Fake News”, evidencia a dimensão dos obstáculos que Lula precisa vencer para entregar ao sucessor um país melhor do que o que recebeu. Com uma base flutuante e uma oposição dividida entre os pragmáticos e os identitários, estes alinhados à extrema direita e infensos à barganha política com o governo, tal como era o PT na oposição, o Congresso é soberano em suas decisões. É o governo, Lula em particular, quem tem de trabalhar melhor para lidar com isso.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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