Não cabe ao STF regular redes sociais (seguido de comentário nosso e de terceiro)

By | 09/05/2023 10:13 am

É competência do Congresso definir como e quando será feita a nova regulação. Não é papel do Judiciário substituir ou mesmo pressionar o Legislativo, que tem o direito de não votar

 

(Coluna do Estadão, em 09/03/2023)

 

Imagem ex-libris

Dias depois de a Câmara dos Deputados adiar a votação do Projeto de Lei (PL) 2.630/2020, que dispõe sobre um novo marco jurídico para as plataformas digitais, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), liberou para julgamento a ação que questiona a constitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). Não poucas pessoas viram no gesto de Dias Toffoli uma resposta do Judiciário ao adiamento da votação. Seria uma espécie de ameaça: se o Congresso não assegurar uma maior responsabilidade das plataformas, o STF fará pela via judicial essa responsabilização, declarando inconstitucional o art. 19.

Seja qual for a disposição do ministro Dias Toffoli com a liberação para julgamento da ação – medida, em si, corriqueira e irrepreensível: os processos devem ir a julgamento pelo colegiado da Corte –, o fato é que o histórico recente do STF suscita preocupação. Cabe, portanto, adverti-lo sobre os limites de suas competências dentro de um Estado Democrático de Direito. Não é papel do Supremo invocar inconstitucionalidade como forma de pressionar o Legislativo.

Não há dúvida de que o Congresso tem a responsabilidade de prover um marco jurídico adequado para as redes sociais. A cada dia fica mais evidente a insuficiência do Marco Civil da Internet para regular essa nova e plenamente instaurada realidade digital, que produz incontáveis efeitos sobre a vida social, política e econômica do País. No entanto, a decisão sobre quando e como fazer essa nova regulação cabe apenas e tão somente ao Legislativo.

É preciso muito cuidado com as chamadas “omissões legislativas”. O Congresso também se manifesta politicamente por meio de seus adiamentos e de suas não decisões. Não cabe ao Judiciário definir os tempos do Legislativo, já que essa definição é parte essencial da própria política. O silêncio do Congresso é uma opção política perfeitamente legítima.

No Estado Democrático de Direito, a Constituição é quem define o concreto equilíbrio entre os Poderes. Nela, não se encontra nenhuma autorização para o Judiciário substituir o Legislativo. O que se tem é o exato contrário. Os dois remédios constitucionais para a falta de regulamentação têm requisitos exigentes e consequências determinadas.

O mandado de injunção deve ser concedido somente quando “a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania” (art. 5.º, LXXI). No caso de provimento de ação de inconstitucionalidade por omissão, o STF apenas dá “ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias” (art. 103, § 2.º).

No tema sobre a responsabilidade das plataformas digitais, a situação é muito diferente. Por mais que possa ser reconhecida sua insuficiência para regular as novas dinâmicas digitais, o Marco Civil da Internet é perfeitamente constitucional. Não viola a Constituição estabelecer, tal como faz o art. 19, que o provedor de aplicações de internet só pode “ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros” se, depois de uma ordem judicial, não tomar as providências devidas.

Não é tarefa do Judiciário dizer se um texto de lei está desatualizado ou insuficiente – ou ainda que, dadas as circunstâncias atuais, suas limitações superam seus benefícios. Isso é uma decisão política, que deve ser tomada pelos parlamentares eleitos pelo voto popular. Transformar o controle de constitucionalidade num juízo de conveniência política é atropelar a democracia representativa.

É fundamental que o Congresso consiga prover um novo marco jurídico para as plataformas digitais. Mas eventuais dificuldades na tramitação do PL 2.630/2020 não são pretexto para que o Judiciário se torne órgão legislador, vendo inconstitucionalidade onde nunca houve. No Estado Democrático de Direito, a política e a cidadania não precisam da tutela de juízes.

 

Comentário nosso

Concordo em que cabe ao Congresso legislar sobre o assunto de que trata o projeto de Lei 2630/2020. Só que o problema é urgente. Já tivemos muitos problemas por conta do mau uso das redes sociais e o país não pode esperar indefinidamente que o Congresso resolva legislar sobre o assunto. Afinal, o projeto foi aprovado pelo Senado em 2020 e desde então está paralizado na Câmara dos Deputados sem que este resolva resolver um problema tão premente para o país. O que urge não é o afastamento de uma decisão do Judiciário sobre o assunto. O que urge é os deputados federais criarem vergonha e decidirem sobre o assunto. Não podemos ficar reféns deles, até que resolvam legialar sobre o assunto. Se as necessidades da nação não são atendidas pelo Congresso, só resta ao Judiciário cumprir a sua função de suprir a desídia dos parlamentares federais. (LGLM)

A respeito deste comentário nosso recebemos o seguinte comentário:

E-mail: candidato2023@bol.com.br

Comentário:
Perfeito o comentário. Na América do Norte, luz das maravilhas para muitos, a relação entre os Poderes instituídos desde há muito já foi resolvida. Por aqui, insistem os não treinados nos campos do Direito e da Ciência Política em alardear a “ditadura” do Judiciário. olvidando da ditadura (dizemos nós) da morosidade legislativa. Num mundo a cada dia mais refém da tecnologia, a comunicação social (a de massas, especificamente) revela-se um campo em estado de anomia. Os bons modelos de regulação estão aí para quem se interessar em construir nova consciência cidadã, dada a inexistência de direitos absolutos (a exemplo da liberdade de expressão), falseado seu exercício para o cometimento de delitos. Na ausência de trabalho legislativo, cabe ao Judiciário dizer o direito no caso concreto, e não parece razoável que a dignidade da pessoa humana, fundamento da República, seja reduzida quando confrontada diante de práticas criminosas que pulverizam imagens e desinformação.

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Category: Nacionais

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

One thought on “Não cabe ao STF regular redes sociais (seguido de comentário nosso e de terceiro)

  1. D.O.M.

    Perfeito o comentário. Na América do Norte, luz das maravilhas para muitos, a relação entre os Poderes instituídos desde há muito já foi resolvida. Por aqui, insistem os não treinados nos campos do Direito e da Ciência Política em alardear a “ditadura” do Judiciário. olvidando da ditadura (dizemos nós) da morosidade legislativa. Num mundo a cada dia mais refém da tecnologia, a comunicação social (a de massas, especificamente) revela-se um campo em estado de anomia. Os bons modelos de regulação estão aí para quem se interessar em construir nova consciência cidadã, dada a inexistência de direitos absolutos (a exemplo da liberdade de expressão), falseado seu exercício para o cometimento de delitos. Na ausência de trabalho legislativo, cabe ao Judiciário dizer o direito no caso concreto, e não parece razoável que a dignidade da pessoa humana, fundamento da República, seja reduzida quando confrontada diante de práticas criminosas que pulverizam imagens e desinformação.

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