Falhas de articulação tornam imprevisível a base de sustentação do governo Lula
(Editorial da Folha, em 11/03/2023)
Foram semanas ruins para o governo no Congresso. A base do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) exibiu todo o seu desajuste quando se viu diante de votações que, para além de seu significado intrínseco, representavam também os primeiros testes de fidelidade.
Os sinais de descoordenação despontaram com o projeto de lei 2.630/2020, apelidado de PL das Fake News. Em meio a ampla pressão das big techs e de parte da opinião pública, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sentiu o risco de derrota no ar e adiou a votação a fim de evitar um vexame.
Em seguida veio o marco do saneamento: a Câmara houve por bem derrubar mudanças baixadas por decretos de Lula. Espanta, nesse caso, menos o resultado em si —as alterações constituíam verdadeiros retrocessos— do que o placar, 295 a 136 contra o governo.
Do ponto de vista do Palácio do Planalto, são dois reveses cujo sabor amargo resta pouco adocicado por vitórias como a manobra para garantir maioria governista na CPI do 8 de janeiro ou a aprovação, pelo Senado, da medida provisória que modifica regras na tributação de multinacionais.
Ainda que esses dois êxitos indiquem alguma capacidade de articulação da base lulista, eles não escondem a dificuldade de fundo deste governo. Uma coisa é vencer discussões pontuais; outra, bem diferente, é conquistar maioria quando se trata de debater iniciativas legislativas mais abrangentes.
Não há melhor exemplo do que o projeto da nova regra fiscal, ferramenta voltada ao controle da dívida pública brasileira. Chegou-se a projetar sua votação para o dia 10, mas o governo não conseguiu consenso em torno da proposta.
No intuito de aparar essas arestas, o Palácio do Planalto conduziu na quarta-feira (10) reuniões com representantes de dois partidos da base, o PSB e o PSD. Se o governo cobrou mais apoio no Congresso, os representantes das legendas pediram a liberação de cargos e do dinheiro de emendas.
São demandas antigas na política, mas, nos últimos anos, ganharam nova relevância. De um lado, porque
Lira descobriu como carrear verbas para as bases eleitorais dos deputados; de outro, porque as redes sociais permitem ao parlamentar alardear suas obras.
Lula e seus articuladores talvez não se tenham dado conta disso. Parecem imaginar que podem fazer política como há 20 anos, quando subiram a rampa pela primeira vez.
Se o governo federal pretende melhorar sua relação com o Congresso, precisará indicar com mais clareza o rumo que vai tomar —e terá de garantir que esse rumo seja confortável para os parlamentares, pois, do contrário, eles escolherão seu próprio caminho.
editoriais@grupofolha.com.brula
Comentário nosso
Lula precisa cuidar da política externa e por isso de viajar aqui e acolá para o estrangeiro, mas tem que cuidar antes de tudo de governar o país. E para isso ele precisa estar mais presente no Brasil e, simplesmente, governar. Para isso tem que enfrentar o Congresso e tentar conseguir apoio para as suas decisões políticas. Sem o Congresso ele jamais conseguirá governar e, não pode pensar que vai conseguir governar só com o PT e parte da esquerda. Tem que “engolir” o Centrão e adjacências, nem que tenha que pagar um alto preço para isso. Sem maioria confiável, tem que negociar com quem quer que seja. (LGLM)