Aprovação folgada do arcabouço fiscal não significa que o governo enfim conseguiu articular sua base, e sim que está cada vez mais subordinado à agenda dos líderes do Congresso
Foi bastante simbólico que o texto-base do arcabouço fiscal tenha sido aprovado na noite de terça-feira, 23 de maio, dia em que, mais cedo, se reuniram para um almoço, na residência oficial do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); o ministro da Fazenda, Fernando Haddad; o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto; e empresários com grande influência nos rumos da economia brasileira.
Além de expor a trégua entre Pacheco e Lira, rompidos desde o imbróglio a respeito da tramitação de medidas provisórias nas duas Casas, o evento selou um pacto de lideranças a favor da agenda econômica no Congresso. Como mostrou o Estadão, a presença de representantes de algumas das maiores empresas dos segmentos industrial, financeiro e varejista legitimou, também, a figura do ministro Fernando Haddad como o interlocutor do governo junto ao Legislativo e ao setor produtivo – e a expressiva votação que os deputados deram a favor do arcabouço fiscal também reflete esse entendimento.
Isso, no entanto, em nada se confunde com a construção de uma base de sustentação verdadeiramente sólida no Congresso. Os ajustes que os parlamentares fizeram ao texto impuseram novos limites aos gastos, reduziram exceções a serem contabilizadas nas despesas, resgataram o contingenciamento obrigatório, criaram gatilhos e retomaram sanções, à revelia do que desejava o Executivo.
A boa notícia, para o governo, é que pôde contar com o apoio da maior parte do Centrão – o que inclui cerca de 30% da bancada do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro. A má notícia é que legendas de esquerda e com pastas na Esplanada dos Ministérios, como o PSOL e a Rede, rejeitaram o projeto – e um terço da bancada petista votou a favor da proposta a muito contragosto, apenas por lealdade ao presidente Lula.
Há um mês, em entrevista ao Valor, o vice-presidente da Câmara e presidente nacional do Republicanos, Marcos Pereira (SP), classificou a base de sustentação do governo como “gelatinosa”. Em vez de procurar culpados pelas evidentes omissões na articulação política entre os ministros, Pereira acertadamente atribuiu a responsabilidade por essas falhas ao “maestro Lula”. Disse, apesar disso, que seu partido votaria a favor das pautas com as quais concordasse, o que se confirmou na apreciação do arcabouço fiscal – dos 39 deputados que registraram voto, apenas 5 se opuseram ao texto.
O governo, entretanto, deve assimilar o fato de que não terá vida fácil no Legislativo. Na terça-feira, após o almoço e antes da aprovação da proposta, Lira e Pacheco traçaram os limites do Congresso. Deixaram claro que não aceitarão rever o entendimento de temas sobre os quais os parlamentares se debruçaram há pouco tempo, como o Marco do Saneamento, a autonomia do Banco Central e a privatização da Eletrobras, mas sinalizaram apoio ao que veem como avanços na agenda econômica, caso do arcabouço fiscal e da reforma tributária, temas que contam com simpatia da maioria dos congressistas.
A paralisia na tramitação das medidas provisórias, as mudanças no parecer do texto que reestrutura a Esplanada dos Ministérios, o adiamento da votação do Projeto de Lei das Fake News, as numerosas Comissões Parlamentares de Inquérito abertas e a quantidade de audiências públicas para ouvir ministros expõem o outro lado dessa mesma moeda. Indicam, portanto, que o governo será mais bem-sucedido se for mais modesto em suas relações com o Legislativo e em suas pretensões políticas.
Comentário nosso
Com a qualidade de parlamentares que temos no Congresso Nacional, presidente nenhum, com um mínimo de decência, terá facilidades para governar. Lula a cada matéria importante que queira ver aprovada vai ter que negociar, comprando votos de um por um. Nós temos no mínimo quinhentos “picaretas’ nas duas casas do Congresso Nacional. Nenhum deles está lá para defender os interesses do povo. Só pensam nos próprios interesses. Uma mínima parte está ali para servir a nação. A grande maioria está ali para “se arrumar”. A maioria deles só tem uma profissão, a política. Aliás, não a política no sentido de interesse público, mas a politicagem para ganhar dinheiro de qualquer jeito. Tem deles, que nunca ganhou dinheiro a não ser na política. E não venham fazer a injustiça de dizer que é só Hugo Motta. A mínima parte está ali para defender o interesse público. Não vou citar nomes, para não esquecer de alguém, apesar de serem muitos poucos. Na Paraíba talvez só um. (LGLM)