Lula nunca perdeu o sono em razão de questões ambientais, pois só se preocupa com o exercício do poder, razão pela qual permitiu que o Congresso desossasse o Ministério de Marina
(Editorial do Estadão, em 26/05/2023)
Corria o ano de 2010 quando o então presidente Lula da Silva, com a verve que lhe é peculiar, entretinha plateias de seus comícios contando a história da perereca impertinente que atrasava obras. Segundo o petista, a obra de um túnel no Rio Grande do Sul ficou paralisada por seis meses enquanto órgãos de proteção ambiental avaliavam o impacto do projeto depois que foi encontrado ali um anfíbio ameaçado de extinção. “Não podemos parar tudo por causa de uma perereca”, dizia Lula, provocando gargalhadas.
Não foi uma queixa isolada. Lula sempre reclamou de quem atrapalhava suas obras a pretexto de proteção do meio ambiente, tema do qual jamais foi um entusiasta. Os tempos, contudo, são outros, e a questão ambiental se tornou decisiva no mundo, razão pela qual Lula teve que pelo menos fingir que se interessa pelo assunto. No seu terceiro mandato, tratou de restabelecer o Ministério do Meio Ambiente e de reatar com Marina Silva, a popstar do ambientalismo, anos depois de tê-la atropelado para construir a hidrelétrica de Belo Monte.
Mas o compromisso de Lula com Marina durou menos de seis meses. O presidente não mexeu um músculo enquanto o Congresso desossava a medida provisória (MP) que reestruturou os Ministérios e órgãos ligados à Presidência, devastando particularmente os Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, pastas caras à sua base de apoio popular. Tudo isso em troca da manutenção do poder do núcleo palaciano.
Restou evidente que a Lula falta tônus político até para impor a organização do primeiro escalão de seu governo. Mas que o leitor não se engane, pensando que Lula possa ter sido vítima de uma suposta ingerência do Congresso em suas prerrogativas constitucionais, como o ministro da Justiça, Flávio Dino, insinuou de forma marota em uma publicação no Twitter. Na realidade, o presidente, que de bobo não tem nada, decerto foi um dos avalistas desse arranjo.
Dos 15 votos favoráveis ao relatório da comissão mista encarregada de analisar a MP da reorganização do governo, nada menos que 14 foram dados por parlamentares da base governista. Marina Silva acordou no dia seguinte à votação contando apenas com a força de seu capital simbólico. Quase tudo o mais foi embora. Sua pasta perdeu o controle sobre o Cadastro Ambiental Rural (CAR) – documento voltado à regularização ambiental de propriedades rurais – para a ministra da Gestão, Esther Dweck, que não demonstra ter qualquer familiaridade com o assunto. O Meio Ambiente também perdeu a Agência Nacional de Águas (ANA) para o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, chefiado por Waldez Góes, afilhado político do senador Davi Alcolumbre (União-AP).
Os reveses na seara ambiental não ficaram circunscritos à alteração da MP que reorganizou os Ministérios. A Câmara também aprovou o regime de urgência para a votação do Projeto de Lei (PL) 490/07, que restringe a demarcação de terras indígenas àquelas já ocupadas pelos povos originários em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Os deputados também aprovaram flexibilizações na Lei da Mata Atlântica com potencial de aumentar o desmatamento de áreas do bioma protegidas pelo Código Florestal.
O PT de Lula da Silva deu votos decisivos para a aprovação de todas essas medidas, desmascarando a falácia eleitoral segundo a qual este seria um governo genuinamente comprometido com a preservação ambiental e com a qualidade de vida dos povos indígenas. Atropelada como a colega Marina Silva, a ministra Sonia Guajajara, que perdeu o poder de demarcar terras indígenas para a pasta da Justiça, hoje não é mais que figura decorativa na Esplanada.
Mudanças tão substanciais em um setor que Lula vendeu durante a campanha como o grande diferencial de seu governo, em contraste com a política de terra arrasada de seu adversário, Jair Bolsonaro, decerto serviram como um choque de realidade para todos os que acreditavam que Lula havia se tornado um herói da floresta. Ora, como todos deveriam saber a esta altura, o petista jamais se deixará manietar por imperativos que não sejam os do exercício do poder. A perereca gaúcha que o diga.
Comentário nosso
Admitimos que Lula, “abra as pernas” para o Congresso, como única forma de governar com parlamentares venais como os que temos na sua maioria. Mas não se pode permitir que comprometa o futuro do país, em nome da governabilidade. Abrir mão da defesa do meio ambiente, bandeira que foi aprovada pelos que votaram nele, para atender a ganância dos empresários que vivem da destruição do meio ambiente é uma traição ao povo brasileiro. Ou seja, Lula está traindo, não só os que votaram nele, mas traindo a todos os brasileiros que sabem da importância do meio-ambiente e querem a sua preservação, em nome do futuro dos nossos filhos e netos. Neste ponto concordamos com o Estadão. E que me permitam mais uma vez a grosseria da expressão. Lula está “abrindo as pernas” demais. (LGLM)