Começou o pós-Bolsonaro (com comentário nosso)

By | 27/02/2024 11:09 am
Imagem ex-librisA manifestação bolsonarista de anteontem na Avenida Paulista serviu para evidenciar o contraste entre os objetivos de Jair Bolsonaro e os de quem pretende herdar seu espólio eleitoral. Com um discurso politicamente anódino, Bolsonaro parecia ter-se dado por vencido de que deverá, mais cedo ou mais tarde, prestar contas à Justiça em razão das cada vez mais robustas evidências de que urdiu um golpe para permanecer no poder, restando-lhe apenas apelar por uma improvável anistia. Por outro lado, ao dizer que “Bolsonaro não é mais um CPF, não é uma pessoa, ele representa um movimento”, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, tratou o ex-presidente, na prática, como um retrato na parede. Sendo ele mesmo perfeitamente elegível, ao contrário de seu padrinho político, Tarcísio claramente se apresentou como candidato a líder desse movimento – numa disputa contra outros vários presentes ao lado de Bolsonaro na Paulista.

Se os termos da convocação para o ato já não escondiam o propósito de Bolsonaro, o discurso do ex-presidente em cima de um trio elétrico reforçou sua intenção de explorar o público presente na Paulista para afrontar, a um só tempo, a História, a Polícia Federal e o Supremo Tribunal Federal a fim de escapar da cadeia. “Nós já anistiamos no passado quem fez barbaridades no Brasil”, disse Bolsonaro, referindo-se à anistia que pavimentou o caminho para a redemocratização do País. “O que eu busco é a pacificação. É, por parte do Parlamento, uma anistia para aqueles pobres coitados presos em Brasília”, completou, tratando como “pobres coitados” a malta ensandecida que vandalizou física e moralmente as instituições democráticas no 8 de Janeiro.

Por óbvio, Bolsonaro não dá a mínima para as agruras no cárcere experimentadas por cada um daqueles homens e mulheres, jovens e idosos, que, em seu nome, passearam naquele dia infame pelos tipos penais previstos na Lei 14.197/2021, que trata da defesa do Estado Democrático de Direito. Como sempre, Bolsonaro está preocupado apenas com seu destino – no máximo, com os de seus familiares e aliados próximos. Nesse sentido, é bastante sintomático que Bolsonaro tenha agradecido a seus apoiadores por terem proporcionado “uma fotografia para o mundo, uma imagem para o Brasil e para o mundo do que é a garra do povo brasileiro”. Era só com isso que Bolsonaro estava preocupado.

A política que faltou no discurso de Bolsonaro sobrou no de Tarcísio de Freitas. O governador paulista, único a quem foi dada a palavra entre os governadores presentes na manifestação – Romeu Zema (MG), Ronaldo Caiado (GO) e Jorginho Mello (SC) –, fez um breve inventário de algumas das alegadas realizações da gestão Bolsonaro. Logo em seguida, destacou que os milhares de manifestantes reunidos na Avenida Paulista lá estavam para “celebrar o verde e amarelo, o amor ao nosso país e o Estado Democrático de Direito”, sendo fundamental “entender os seus desafios”.

O poder de mobilização de Bolsonaro é incontestável, como mostra a multidão reunida na Paulista. Mas, enquanto o ex-presidente se limita a vociferar contra o “comunismo” em cima de um carro de som e a se dizer “perseguido”, Tarcísio e outros já estão com os olhos no futuro e seus “desafios”.

Essa direita se une por Bolsonaro hoje na exata medida da necessidade de preservar para si o potencial eleitoral do “mito” – mas é bom lembrar que o governador paulista, tão agradecido a seu padrinho, é o mesmo que não se sentiu constrangido em estabelecer um diálogo construtivo com o presidente Lula da Silva, demonizado pelos extremistas de camisa da seleção brasileira, e em apoiar a reforma tributária à revelia do ex-presidente. Ou seja, os prováveis herdeiros de Bolsonaro, ao mesmo tempo que compreendem as demandas – muitas das quais legítimas – dos que foram à Paulista, oferecem a superação do radicalismo bolsonarista, não só para ampliar o eleitorado fora da extrema dglireita, mas, sobretudo, para deixar claro seu caráter democrático – essencial para a pacificação que Bolsonaro só quer da boca para fora.

Comentário nosso

Depois do concorrido enterro do bolsonarismo com Bolsonaro, começa a briga pela herança do ex-presidente. Tarcísio de Freitas é o herdeiro mais visível e mais apressado para garantir a posse da herança. Enquanto o inelegível Bolsonaro implora pela anistia, não só dos pobrezinhos bagunceiros do 8 de janeiro de 2023, mas de seus parentes e amigos mais próximos. Bolsonaro quer pelo menos se livrar da cadeia, já que não tem como recuperar a elegibilidade antes de 2030. Enquanto isso seus partidários mais privilegiados querem se garantir para 2026 e 2030. (LGLM)

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Category: Blog

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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