Reconhecida a necessidade de aplicação efetiva da lei penal, sem transigir com nenhum crime, é preciso alertar que o País não pode ficar refém dos escândalos criminais, sejam de que espécie for, envolvam quem envolver. A agenda nacional não pode ser determinada por operações policiais, por buscas e apreensões espetaculosas ou por vazamentos seletivos de áudios, vídeos e outros documentos. Todos esses elementos probatórios devem ser analisados e ponderados pelas autoridades competentes, com vistas à instrução do processo. Mas não podem substituir a pauta do País, que deve estar centrada na resolução dos problemas nacionais: orientada para o futuro, e não presa no passado.
A Lava Jato oferece importante aprendizado. Por maiores que sejam, os escândalos oriundos de delações e de vazamentos seletivos do Ministério Público não asseguram a aplicação da lei penal. Pode existir tudo isso e, mesmo assim, continuar havendo ampla impunidade. Não é o escândalo que faz com que o autor do crime seja identificado e devidamente punido. Isso se consegue por meio do devido processo legal, que não segue a lógica da audiência ou da popularidade, mas depende da apuração sóbria e atenta dos fatos, dentro das regras do contraditório e da ampla defesa.
Não é de estranhar que, depois de quatro anos de Jair Bolsonaro na Presidência da República, exista uma grande lista de indícios a exigir atenção do sistema de justiça penal. Para piorar, o 8 de Janeiro acrescentou uma nova e gigantesca leva de elementos probatórios, que precisam ser investigados. Não cabe impunidade perante tudo isso. Como lembrado várias vezes neste espaço, o caminho da pacificação social não é ignorar os crimes cometidos, mas aplicar sobre eles a lei de maneira técnica e imparcial, sem tom de vingança.
Esse cenário desafia o País em duas frentes: o desafio da efetiva aplicação da lei penal e o desafio de não deixar o País preso à aplicação da lei penal nesses casos. É um equívoco paralisante – que, entre outros danos, custa vidas, afeta empregos, prejudica a educação das novas gerações e freia o crescimento econômico – achar que o País não deve fazer outra coisa senão aguardar o julgamento – ou a prisão ou a inelegibilidade – de Jair Bolsonaro e dos envolvidos no 8 de Janeiro.
Há um País a ser governado. Há questões importantes em tramitação no Congresso Nacional, como, por exemplo, o novo arcabouço fiscal, a reforma tributária e a regulamentação das redes sociais. Por mais que seja preciso investigar eventual adulteração criminosa do cartão de vacinação de Bolsonaro, esse assunto – até certo ponto irrelevante, dado o conjunto da obra bolsonarista – não pode paralisar a agenda nacional. Por isso, entre outros cuidados, é fundamental que as medidas policiais e judiciais sejam realizadas dentro da mais estrita legalidade. O sistema de justiça penal não funciona bem quando gera tensão ou dúvidas na população.
No desafio de não deixar o País refém da pauta penal, dois temas demandam especial atenção. Quanto mais sigilo há sobre os procedimentos judiciais, maior é a possibilidade de manipulação da agenda nacional por meio de vazamentos seletivos. A regra é a publicidade. O segundo tópico são as prisões preventivas. Também excepcionais, elas exigem rigorosa fundamentação. Não convém repetir os erros da Lava Jato.
Comentário nosso
No caso das prisões preventivas, há a considerar o interesse da Justiça em apurar fatos ou analisar provas que possam vir à tona durante o processo e que podem ser escondidos se o suspeito continuar em liberdade ou for liberado antes do tempo. (LGLM)