No entanto, em vez de explicitar um defeito estrutural do projeto de lei ou um generalizado mau caratismo dos políticos, essa crítica expõe como o debate sobre tema vital para o País está sendo feito não apenas em termos rasos, como tem sido descaradamente manipulado. O PL 2.630/2020 não cria exceções para políticos. O dispositivo tão criticado, que supostamente privilegiaria os parlamentares, apenas dispõe que a imunidade prevista no art. 53 da Constituição – “os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos” – também se aplica “aos conteúdos publicados por agentes políticos em plataformas mantidas pelos provedores de redes sociais e mensageria privada”.
Nesse ponto em concreto, o PL 2.630/2020 não faz, portanto, nada além do que assegurar a vigência da Constituição nas redes sociais. Trata-se de objetivo adequado e estritamente necessário para um projeto de lei que vem estabelecer um novo marco jurídico para as plataformas digitais.
Na crítica à tal “exceção para os políticos” do PL 2.630/2020, vislumbra-se na verdade uma grande incompreensão sobre as prerrogativas constitucionais dos parlamentares. Elas não constituem privilégios pessoais nem criam uma categoria especial de cidadãos, sobre os quais as leis aplicáveis a todos os demais não valeriam. Fossem assim as imunidades parlamentares, o sistema constitucional seria incoerente e disfuncional, já que o Estado Democrático de Direito se estrutura a partir do princípio basilar da igualdade de todos perante a lei.
As prerrogativas parlamentares – entre as quais se inclui, conforme o art. 53 da Constituição, a inviolabilidade civil e penal por opiniões, palavras e votos – são uma proteção do regime democrático e efetivo respeito aos direitos políticos de todos os cidadãos. Elas não foram criadas por diletantismo. Como a história ensina, a perseguição contra parlamentares costuma ser uma das primeiras medidas impostas por ditaduras. Às vezes, é realizada diretamente, sem nenhum pudor; outras, por meio de processos judiciais enviesados e parciais, cuja função é tão somente dar aparência de legalidade aos desmandos do regime despótico.
Por isso, as prerrogativas parlamentares não têm nada de imoral ou de antirrepublicano. Não são uma concessão à impunidade nem representam uma espécie de legislação em causa própria. A inviolabilidade de senadores e deputados por opiniões, palavras e votos ajuda a construir as condições para um debate livre e plural de ideias, elemento essencial do regime democrático.
Tal como o texto constitucional dispõe e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece, essa inviolabilidade não é autorização para a prática de crimes, também no ambiente virtual. No ano passado, a condenação pelo STF do deputado federal Daniel Silveira a oito anos e nove meses de prisão mostrou o equívoco de quem pensava que o art. 53 da Constituição preservaria os parlamentares dos efeitos da lei – em concreto, da lei penal.
Na verdade, o PL 2.630/2020 cria obrigações adicionais aos políticos. Por exemplo, em suas contas oficiais, os parlamentares “não poderão restringir a visualização de suas publicações”.
O País não pode ficar refém de narrativas manipuladoras. É hora de debater responsavelmente, sem fantasmas, a necessária regulação das plataformas digitais.
Comentário nosso
Mea culpa. Eu próprio fui induzido em erro e critiquei uma possível abertura de exceção na imunidade parlamentar criada na nova Lei. Os parlamentares já têm esta imunidade assegurada pela Constituição, também nas redes sociais. (LGLM)