Em uma dessas conversas, o coronel Élcio Franco Filho, ex-secretário executivo do Ministério da Saúde, tratou de como “organizar, desenvolver, instruir e equipar 1.500 homens” para uma tentativa de golpe de Estado com o major Ailton Barros, um delinquente que é tratado por Bolsonaro como “segundo irmão”. O plano mirabolante não foi adiante porque, como o próprio Franco deixou explícito, não tinha o menor respaldo do então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes. “O Freire não vai”, disse o coronel golpista, “você não vai esperar dele que tome à frente nesse assunto (a tentativa de golpe)”.
O desassombro com que bolsonaristas tramam um golpe não seria possível sem a inspiração de Bolsonaro, que, se não participou diretamente das articulações, algo que ainda resta ser provado, tampouco as desestimulou. A bem da verdade, Bolsonaro empenhou-se, ao longo de todo o seu mandato, em criar o clima em que tais conspirações fossem naturais. Todos os que articularam o levante o fizeram, sem sombra de dúvida, em nome de Bolsonaro.
A banalidade da sedição já havia ficado clara quando Valdemar Costa Neto, o notório chefão do PL, partido de Bolsonaro, confessou com espantosa tranquilidade que recebeu “várias propostas” de golpe de Estado, “tudo fora da lei”, para “tirar o Lula do governo”. Segundo Valdemar, vale lembrar, “na casa de todo mundo” havia documentos semelhantes à minuta do decreto, encontrada na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, que serviria para dar um verniz de legalidade ao golpe.
Se ainda não é possível imputar a Bolsonaro, criminalmente, ação ou omissão inequívoca para tentar abolir o Estado Democrático de Direito, não há a menor dúvida de que, do ponto de vista político, o ex-presidente é o maior responsável pelo golpismo latente – estimulado por seus discursos desrespeitosos às demais instituições, em particular ao Supremo Tribunal Federal, tratado por Bolsonaro como valhacouto de liberticidas, e às Forças Armadas, que o presidente pretendeu reduzir à condição de milícia pessoal.
A democracia afinal resistiu porque a sociedade civil reagiu à altura do descaramento de Bolsonaro para levar adiante seu plano golpista. Segundo, porque as instituições não se vergaram diante da maior ameaça ao Estado Democrático de Direito no Brasil desde o fim da ditadura militar. Por último, mas não menos importante, porque a majoritária ala legalista das Forças Armadas, absolutamente fiel à Constituição, não embarcou na loucura bolsonarista.
Sem prejuízo da responsabilização dos maus militares que desonraram a farda ao cerrar fileiras com um desqualificado como Bolsonaro em seus delírios de poder, ao fim e ao cabo, a firmeza das Forças Armadas em cumprir o papel que lhes foi atribuído pela Constituição matou no nascedouro as chances de sucesso de um golpe de Estado durante e após o governo Bolsonaro. Tanto foi assim que membros do Alto Comando do Exército e comandantes de tropas Brasil afora se tornaram alvos de pesadas ameaças e calúnias tão logo frustraram as expectativas de adesão nutrida pelos bolsonaristas insurgentes.
Essa reação cívico-institucional, é bom enfatizar, foi apenas a primeira parte da resposta do País ao golpismo estimulado por Bolsonaro. Haverá de chegar a hora da punição, dentro dos mais estritos limites legais – pois é assim que funciona na democracia que o bolsonarismo tanto despreza.